Prefiro lhe amar com o amor puro de meu coração de vinte
anos; e lhe amarei para sempre com esse coração. Com esse coração de vinte
anos, amo seu sorriso e sua existência, suas mãos e seus pés, sua distância e
seu abraço. Amo a simplicidade de que é feito, amo o teu amor por mim - que
também é puro como de uma criança. Só duas crianças podem se amar como nós dois
nos amamos.
sexta-feira, 22 de março de 2013
sábado, 16 de março de 2013
na sala de espera
Esse aqui está virando um blogue sobre doença. Enfim, fazer o quê? Preciso conversar com alguém e ainda não tenho psicoterapeuta.
Mas não me lembro nitidamente bem de nossas relações na infância. Somente sei que ela era uma menina de cabelo mole, preto que chegava a ser azul, mais velha que eu um ano, e sempre prafrentex. Diriam hoje uma menina linda, e eu fazia comparação do cabelo dela com a minha carapinha. Ô, perguntava a Deus, por que meu cabelo teve que puxar ao cabelo de pai e não ao de mãe?
Enfim, meu cabelo puxou ao de pai, crespo e que só era domado com tranças.
Lembro disso tudo porque há uns quatro ou cinco anos ela me dava uma carona para a rodoviária, em Salvador. Eu estava indo para Xiquexique, ministrar aulas, uma viagem de mais ou menos onze horas.
Chegando perto do Dique ela começou a me contar uma história do salão de beleza que frequentava. Que enfim ela tinha descoberto tudo: a amiga do peito fazia chapinha e escondia isso, mas ela descobriu tudo com a dona do salão.
Olhava o Dique, os orixás e ouvia o que ela contava, sem parar, e de repente comecei a me sentir mal.
Me deu uma tontura, o mundo começou a ficar longe, eu bem longe, bem longe, bem longe.
Claro que não consegui viajar.
Claro que fui para o hospital.
E que fiquei um tempão sem querer carona dela para a rodoviária.
Coisas da doença, medo de sentir mal perto do Dique, etc...
segunda-feira, 11 de março de 2013
verdades dolorosas
Hoje o que mais se escuta é a frase: "Estou deprimida..." Depressão, palavra banalizada. Na verdade tudo hoje está banalizado, principalmente as doenças psíquicas. Já cansei de ouvir gente dizendo que teve síndrome do pânico e vai contar o que foi quando nitidamente se percebe que foi só um pequeno medo, e não aquele desencadeamento de morte que verdadeiramente é a síndrome do pânico.
A pessoa que sofre dessas duas doenças está quase que completamente só. Como partilhar sua dor e seu sofrimento com quem nunca sentiu isso? Tais doenças são indescritíveis, imagine se serão entendidas por todo mundo. Nunca, nunca; no máximo um atestado médico lhe privará de maiores constrangimentos sociais.
Existe uma frase clichê mais do que repetida entre os portadores dessas duas doenças miseráveis. É aquela, que não faz efeito algum, só para quem diz:
"Não desejo ao meu pior inimigo isso que sinto".
O mínimo que poderia acontecer era seu pior inimigo ficar feliz; pois ele não merece sentir essas duas doenças incognoscíveis, estranhas, terríveis. Mas seu pior inimigo nunca conseguirá entender a dádiva dessas palavras se ele jamais sentir isso na pele. E tomara que realmente ele nunca sinta.
É assim:
De repente você sai. Vai fazer aquilo que faz todos os dias. Aí bate o maior estranhamento do mundo. Você se torna estranho para você, tudo se desloca, a realidade não é mais a mesma, as coisas se alteram, e seu corpo começa a sentir-se mal. Você começa a ter um medo terrível, de você e de tudo. O coração acelera e a barriga dói. Uma melancolia como um abismo lhe soterra; você vai descendo um buraco, um buraco enorme, sem coelho e sem Alice. Você se lembra da literatura, a coisa que mais ama, mas nada se transforma, o buraco vai lhe levando. O buraco vai lhe levando, lhe levando, lhe levando. Você não sabe como e se voltará. Aliás, se a sensação for forte demais, você tem certeza de que não voltará.
O pior é quando você passa por isso em local público, numa apresentação, numa reunião, numa palestra.
Você sai correndo, é a única saída que encontra... Como uma enterrada viva que quer destroçar o caixão em que se descobre encalacrada.
sábado, 9 de março de 2013
a dor de parir
Todos os dias sinto a dor de parir, mesmo sem nunca
ter parido; na verdade, sinto a dor de existir, e é uma dor fina, cheia de
contrações. Não sou machista, não sou feminista, sou mulher. Não levanto
bandeiras, mas estou aprendendo a me defender e constato,a cada dia, uma
fortaleza que não sabia que tinha: consigo viver dia a dia e não morrer antes
da hora, isso é grandioso demais para um corpo e uma alma sensíveis diante de
um mundo que não é nem um pouco sutil. Hoje mesmo senti a dor de parir, e foi
fina, intercalada; a cada contração eu pensava que iria morrer. Nasço todos os
dias depois dessa dor.
segunda-feira, 4 de março de 2013
de todas as sensações
Lembro que meu corpo
congelava, congelava, e eu tremia, tremia muito. Eu sentia dentro de mim a
certeza da morte. E o maior medo do mundo, eu me pelava de medo. Sentia que era
chegada a minha vez, era a hora de "descobrir", como disse um personagem
de Mastroianni num filme de Zurlini. Partilhar a experiência da morte? Como?
Com que linguagem? Impossível. Isso especulava Borges, enquanto que na minha
infância mãe respondia me contando aquela história das duas comadres que
combinaram contar como é lá quando uma delas morrer. Uma morre primeiro e vem
contar como é lá; mas apenas diz: "Lá é lá, cá é cá". Portanto, mãe
antecedeu Borges nas minhas leituras, ao me relatar esse causo: não há como
partilhar essa experiência, pois ainda não morremos; e mesmo morrendo,
acredito, também não contaremos, faremos como a comadre da história. Não há
como partilhar o incognoscível. Eu sabia disso na cama daquele hospital,
tremendo igual a uma vara verde, e congelando, congelando por dentro. Mãe perto de mim, forte, séria,
pegando em minha mão, perguntava ao médico por que eu tremia, por que meu corpo
estava todo frio. Mas o médico era longínquo e não respondeu nada. "Mas o
que é que eu tenho?" Eu perguntava, nervosa e chorando... "Eu estou
congelando por dentro, eu vou morrer". Enquanto isso, o médico escrevia
numa receita azul, friamente, como geladeira ligada no máximo. Eu disse,
chorando, de novo que estava morrendo, fiz um testamento oral para mãe, e o
médico mandou me botarem no balão de oxigênio. Pensei "é o fim
mesmo", pois toda vez que alguém em Andaraí vai para o balão de oxigênio é
difícil voltar. Esperei a Passagem, mas pedi ajuda a muitos espíritos, pedi
para adiarem o dia, a data, o momento. Passei três horas nesse transe de ir ou
não ir, viver ou morrer. Mãe firme, segurando minha mão, rezando para seus
santos que nunca lhe faltaram: São Cosme e São Damião.
Não sei porque estou relatando, em detalhes, isso aqui. Talvez por conta de uma sensação imensa de solidão; essa solidão de saber-se vivo, sempre temporariamente, sempre temporariamente.
Não sei porque estou relatando, em detalhes, isso aqui. Talvez por conta de uma sensação imensa de solidão; essa solidão de saber-se vivo, sempre temporariamente, sempre temporariamente.
sexta-feira, 1 de março de 2013
poesia voando
Nada pior de que um poeta desinspirado. Quando a poesia não lhe procura, deixe-a em paz, não fique correndo atrás dela, mendigando verso. Espere a hora certa, ela vai chegar, ela vai tocar você, na maioria das vezes quando você nem espera. Por isso ande sempre com um papel: a Poesia não tem tempo a perder, não vai esperar você correr atrás de um papel e de uma caneta, ela tem pressa, é fugaz, etérea, quase imperceptível: voa no ar. Poesia é presença fina. Descortina-se em ventos invisíveis, toca-lhe a alma, lhe deixa embrigado, e vai embora. Só Deus sabe quando ela voltará. Não seja ansioso, espere; pois que não há nada pior de que um poeta desinspirado.
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