quarta-feira, 25 de março de 2009

perguntas ao Tempo


O primeiro poema que conheci na vida, e que declamei na escola no dia das mães, foi o batatinha quando nasce, esparrama pelo chão..., etc, etc. Aquele negócio de levar o pai no bolso e a mão no coração é maldade das muitas. E que fez todo mundo rir: uma menininha de seis anos, gordinha, pequetitita, falando lá na frente os versos todos certinho, sem errar uma vírgula, foi um espetáculo.(A maldade do poema está mesmo é no final, pois além de levar o pai no bolso, o bolso fura, e papai caiu no chão, e mamãe que era mais bonita ficou no coração.)
Não sei se pai estava presente nesse dia e se ele riu, se achou graça nessa cena e nesse descaso poético e filial. Não me lembro. Só me lembro do salão cheio, pessoas altíssimas (claro, eu estava lá embaixo) se acabando de rir; era um riso de ternura, não de sarcasmo. A maldade humana pode ser terna... Que coisa!
Oh, como gostaria de lembrar minha voz naquele dia! As entonações rítmicas, a dicção, minha boca se mexendo a cada palavra: como foi mesmo? Só me lembro do que mencionei acima, e de um vestido branco que eu usava, bem curto. Não sei se minhas pernas estavam raladas, ou cinzentas. Se o sapato que calçava era branco também, ou se meu cabelo estava lustrando banha de galinha que mãe insistia em passar. Esses detalhes dificilmente a memória guarda. Se o principal - a presença de pai - a memória não guardou...
Era isso o que mais gostaria de saber: se pai estava lá naquela tarde no Grupo Escolar Luis Viana Filho. Se ele riu, se achou graça como todo mundo; se sentiu uma tristeza terna, um ressentimento disfarçado em ternura.


Imagem: "Quando eu for grande", por nuno alegria.
(www.flick.com)

8 comentários:

Senhorita B. disse...

Ele devia estar lá. E com um sorriso orgulhoso no rosto ao descobrir a fofura de sua filha poetisa.
Bjs

Ulisses disse...

Aeronauta, o curioso é como a entidade Tempo instaurou-se simultaneamente em nossos discursos, ainda que não tivéssemos combinado (risos)... Penso que a nossa existência é "apenasmente", como diz um amigo querido, lembrança e essa é a nossa luta quixotesca cotidiana contra essa Arquiausência avassaladora que é o Tempo.

Anônimo disse...

Como nao rir d uma cena dessas! :)

Edu O. disse...

"A maldade humana pode ser terna..." eu bem sei disso

Maria Judith. disse...

Tenho certeza que pai estava sim.

- Luli Facciolla - disse...

"Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão". É assim e não "se esparrama"... rsrsrs
O sarcasmo tem mais espaço ainda...

Beijo

Janaina Amado disse...

Meu palpite é que ele tava, e gostou de ver a filhota recitando lá na frente.

Muadiê Maria disse...

Eu acho que ele encheu os olhos d'água.