Pai era meu maior fã, e adorava ler meus poemas para seus amigos na sala lá de casa, sempre cheia de gente. Lia e lembrava que esse fenômeno era coisa hereditária, afinal ele veio de uma família de repentistas, passando de pai para filho; e que, infelizmente, ele não escrevia, mas sua filha ali sim, escrevia, era uma poetisa. Depois desse discurso, ele lia um poema que eu lhe dava num papel à parte. Não lhe mostrava meu caderno, ali havia poemas de amor. Ele pedia, pedia, pedia para ler o caderno todo, e eu negava. Só que num domingo de um certo mês não teve jeito, não tive mais como negar, e ele ficou na sala de janta passando as folhas de meu caderno, lendo todos os meus poemas; do quarto eu ouvia o barulho das folhas passando, meu coração angustiado. Esta foi a maior noite de minha vida. Quando amanheceu ele não me disse nada, nada, nada.
Mas lancei um livro, e pai se reconciliou com minha poesia, totalmente.
Eu era uma jovem escritora. Não bonita nos padrões estabelecidos, mas era jovem. E tinha o mundo aos meus pés.
Um homem sempre fica vulnerável diante de uma mulher que escreve. Principalmente se ela for jovem, e bela.
Fico pensando em Clarice, Cecília, Hilda Hilst e suas auras brilhando no universo masculino.
Os homens adoram as mulheres que escrevem: talvez seja um fetiche, um assombro; talvez percebam uma certa masculinidade na mulher que escreve; ou uma feminilidade exacerbada. "Ah, você escreve?", já ouvi isso de muitos homens, e o tom foi sempre de doçura, principalmente de curiosidade; mais ainda quando eu era jovem e saí de minha província direto para a universidade em Feira de Santana. Se os chegantes na província já ficavam embasbacados de lá encontrar, naquele fim de mundo, uma jovem de cabelo comprido que escrevia e publicara um livro, imagine na cidade grande. Os professores me tratavam de maneira diferente. E eu me sentia especial.
Eu era jovem, tinha uma beleza exótica, e escrevia razoavelmente. Era um objeto exótico. Eu chamava a atenção, acredito, mais pelo fato de eu ser uma mulher que escreve, de que pela qualidade daquilo que escrevia.
Estou escrevendo tudo isso aqui e me lembrando da amizade grandiosa de Mario Quintana e Bruna Lombardi. Mario adorava a poesia de Bruna. Ou a sua beleza? Ou essa coisa estranha e maravilhosa que é uma mulher bela que escreve?