terça-feira, 13 de maio de 2014

Cotidiana

Enquanto os holofotes ficaram no Facebook - terra hollywoodiana - aqui posso sentir a paz das montanhas, com total reintegração de posse. É, demiti a moça que só ficava de costas na pia. Daqui a pouco ela vem acertar as contas. Gozo agora a solidão dos malditos, sem gatos, como Orides; sem gravação de voz dos espíritos, como Hilda. Mas fazendo aqui por dentro uma casa do Sol. A moça chegou, fomos acertar as contas e por incrível que pareça ela conversou como nunca! Contou toda a sua vida. Conversou, e foi na pia lavar os pratos (que nem precisava mais, já que fechamos as contas). De lá da pia ela conversava e virava para mim, contando os detalhes que seu filho mais novo fazia quando pintava o sete. Ela estava feliz, talvez por ter sido demitida. Acho que também não se sentia bem trabalhando aqui em casa. Nunca, nunca entenderei o ser humano. Apenas me comovo, sempre. Essa comoção maldita que muitas vezes me enfraquece. Mas não enfraqueci. Reintegrei-me à minha casa. O sol é forte, e frio. Sol de junho. Mandei por ela - para sua filha grávida - um ursinho de pelúcia que vivia de se esconder pela casa. Um ursinho marcado de lembranças que quero apagar. Sua filha construirá novas histórias com as minhas memórias deletadas; afinal todo urso de pelúcia tem um artifício de esquecer seu dono e suas lembranças lacrimosas. A casa antes pequena ficou grande. Eu dentro dela posso correr, me deitar no chão, conversar sozinha.

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