domingo, 28 de setembro de 2008

"Recordações"


Um dia de domingo só presta para a gente olhar à janela e ter recordações. Palavra linda esta: "recordações". Parece que vem cheia de borboletas e flores na nossa memória, abrindo um escaninho de lembranças líricas. E são tantas. Essas eu faço questão de guardar bem-guardadas e só abri-las num dia assim, num dia vazio, no qual somente a imaginação poética pode nos salvar. Todas essas lembranças são de amor. Das possibilidades do amor. De todos os amores que já tive. Em suas mais diversas epifanias. Um riozinho correndo. Eu e ele diante de milhares de pedras. Ele pega uma pedrinha e desenha um relógio: eternos quinze para as três da tarde. Ele eternizou a nossa tarde no rio com um lápis que levou dentro do bolso. Hoje trago a pedra, ratificando liricamente aquela hora vivida.
Abro novo escaninho e lá vejo um professor de história. Tudo sabia sobre feudalismo, segunda guerra mundial, nova história, relações da história com a literatura, etc. Mas numa manhã de chuva, lá nas Lavras, me acordou perguntando o que era P.S. Até então ele não sabia o que era pos-scriptum, e tinha vergonha de perguntar. Nas cartas só usava o Obs. Eu nunca desconfiei disso, mas nessa manhã ele humildemente me perguntou, e eu caí na risada. A risada mais infantil e saborosa que já dei, e que levo - sonoramente - na memória.
Tenho vários escaninhos ainda para abrir. São tantos. Entretanto, já se faz tarde, meu corpo se cansa... E eu me lembro do amor mais tranqüilo que já tive, e que era "o meu repouso absoluto", assim mesmo como escrevi num poema: "manhã de chuva, vulto na varanda,/cadeira de balanço, descanso de tudo". Concretude de todas as possibilidades. Porém o amor exige mais, exige o que não existe. Nesse escaninho, então, todos os sonhos, e as palavras que não foram escutadas, se encontram. Nessas palavras me deito. E aguardo.

8 comentários:

Anônimo disse...

Oh, querida, tão bonito.

Anônimo disse...

Aeronauta, seu texto é tão lindo quanto o filme PIAF...
Não pare jamais de escrever, nem de amar...


p.

Lua O. disse...

Foram-se os amores que tive ou me tiveram: partiram num cortejo silencioso e iluminado. O tempo me ensinou a não acreditar demais na morte nem desistir da vida: cultivo alegrias num jardim onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos amores e seus segredos. E a esperança - que rebrilha como pedrinhas de cor entre as raízes." Lya Luft

P.S (rs)- E aguardo...

Nilson disse...

Tava certo Tomzé: "o amor é velho, velho, velho e menina..."

Anônimo disse...

Domingo, banzo. Pois sábado é o dia das possibilidades extremas. E esse rio aí, é dos Morcegos? Sua prosa, como sempre, das melhores que leio. Abr. (carlos)

Anônimo disse...

Como disse Carlos, sua prosa é das melhores.
Amores vão? Amores vãos? Vão e vêm. Vêem? O que?

Bernardo Guimarães disse...

Que texto bonito! dá gosto começar uma semana assim! Brigado.

Vivz disse...

Ô, Nauta, não gostei daquele texto pro blog, não. Ando meio sem cabeça pra isso agora... só penso mesmo no que escrevi. Vou tirar uns dias pra espairecer.
E esse seu texto tá a coisa mais linda. Bjs.