Na infância tínhamos, eu e minha irmã, uma amiga que adorávamos: Itamara. Ela ia lá pra casa almoçar com a gente e ficava a tarde inteira. Brincávamos, e umas oito, nove horas da noite, ela queria ir embora, obviamente. Mas o que é que eu fazia? Trancava a porta de saída e escondia a chave. A menina chorava, gritava, pedia pelo amor de Deus que a soltassem, mas eu nem tchum. Aí mãe vinha pra resolver o horror. Não lembro se minha irmã era cúmplice, só sei mesmo é que essa cena ficou marcada em mim como símbolo da amizade seqüestrada. Coisa que continuei repetindo vida afora, em suas mais distintas maneiras. Amar é algo terrível que dentre suas sinônimos tem a palavra engaiolar. Sim, botar o fulano dentro de uma gaiola, e dar-lhe um remedinho pra ele se acostumar, pra não se rebelar e ainda poder lhe amar em dobro. É demoníaco, sei, pois que eu nunca gostaria de ser engaiolada, de jeito nenhum. Tenho espírito de passarinho, de nuvem, de coisa que se desloca, se modifica continuamente. Mesmo assim, sinto ainda gastura quando gosto de alguém: e aí me vem "Ata-me", de Almodóvar. Ah, como já senti vontades de seqüestrar um grande amor que não me amava e lhe obrigar a me amar, a pulso! Isso é algo extremamente primitivo, e confessar aqui me traz a sensação de que posso olhar-me no espelho, mesmo com perplexidade.
Falo agora sobre essas coisas porque hoje, ao visitar todos os blogues e dar de cara com a porta fechada do blogue de Bernardo, ou melhor, o bico fechado, mudo, me lembrei da história de Itamara. Onde encontrar uma chave nesse mundo cibernético que possa trancar um ser virtual e mandar-lhe escrever? O que fazer para capturar alguém que não conheço, e que já tinha entrado na rotina de minha amizade, e obrigar-lhe a não me abandonar? Nada, não posso fazer nada. De cá, de meu esconderijo de pessoa extremamente imperfeita, mais uma vez vejo mãe chegando, me obrigando a devolver a chave da casa, abrindo a porta, e eu assistindo, pela milésima e infinita vez, minha amiga Itamara ir embora.
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7 comentários:
E continua até hoje mesmo. Quando vou na sua casa, já imagino a hora de voltar, porque você fica repetindo milhões de vezes:-não vai não, fica mais um pouco, poxa,só mais um pouco, você é uma pressa, Ave-Maria...
E eu com pressa porque quando falo que tenho que ir, é porque não posso ficar nem mais um segundo. Quando chego em casa, trago seu eco e é difícil expulsá-lo dos meus ouvidos.
Também sou ré. Já tive vontade de prender muitos amores. Mas sou muito contraditória. Quando os via na gaiola, enjoava e abria. E quando os coitados ficavam lerdos sem conseguir sair da gaiola aberta, mais enjôo eu tinha. Gente é bicho muito difícil de lidar.
Um coração livre serve melhor dentro de uma gaiola. Era assim que pensava quando pequeno. Hoje, aos 30 anos, sou eu que estou na gaiola. E, percrustando pelas grades, volto a entoar: "Não vai não, não vai não". Mas vai, e aí não há mais chave, não há mais sequestro. E continuo na gaiola.
Pôxa, que assunto difícil esse.
Mas aqui do alto de minha provecta idade e pouquíssima experiência, acredito que quando chega o amor de verdade, ele se sequestra sozinho, voluntariamente, e por mais que se abra a gaiola, não foge mais. :)
Esqueci de dizer que achei lindíssimo o que você disse. Nunca havia pensado no assunto com essas palavras. Gostei!
não sei se são os escritos de hoje ou se eu amanheci chorona. Leio e choro, choro e leio.
Sou obrigada a me engaiolar nessa atmosfera , aeronauta. Pô,muito fundo, porrada geral, também leio e choro, leio e choro...não consigo nem me olhar no espelho de tamanha perplexidade. É perfeito o seu texto, e absolutamente necessário. Um outro blogauta(Zé do Vale que sempre me socorre)também tem razão:"...sabedoria comum a todos, quando forem modificados pelo confronto de tantas vozes".
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