Chamava-se (e ainda se chama) Leônia. Talvez uma péssima combinação de leão com amônia, sei lá. Só sei é que ela fazia um monte de mecha com creme nos cabelos para que os cachos ficassem duros, à prova de vento. E que veio de São Paulo pra ficar. Estava morando na nossa rua, na última casa, perto da ponte, e um dia nos convidou para o aniversário de seu irmão. Que aniversário estranho! Primeiro porque o bolo era roxo, e segundo porque serviram como salgadinho nada mais nada menos que batatinhas cozidas enfiadas em palitos. Peguei pensando que era algo novo e quando senti o gosto já era tarde.
Mas o fato é que ela, Leônia, ficou nossa amiga. Tínhamos dezesseis pra dezessete anos e ela devia ter uns dezenove, vinte. Baixinha, atarracada, mais pra anã, como eu. Foi ela quem me ensinou a fazer mecha no cabelo, com creme, a fim de que os cachos ficassem duros, à prova de vento. E me ensinou algo que nunca esqueci, mais ou menos assim: quando o vento bater nos cabelos não devemos fazer nada: nada de querer deter o cabelo, pois é pior; o melhor mesmo é deixar o vento fazer o que bem quiser, pois quando esse passar, os cabelos voltarão ao normal. Engraçado, nunca me esqueci disso. Toda vez que estou na rua e o vento vem em cima de meus cabelos lembro do conselho de Leônia.
Logo logo ela se afastou da gente, e foi fazer amizade com meninas de outra rua. Mas sempre que a via, com os cachos à prova de vento, me dava vontade de rir. Até hoje nunca abandonou tais cachos, acrescentando outras coisas ao seu histórico: se entregou à comilança e à bebelança. Ontem minha irmã me trouxe notícias dela, tão bizarras que vou dividi-las com vocês.
Disse minha irmã que soube por uma amiga conterrânea, que Leônia não bebe mais água: só cerveja. É cerveja de manhã, de tarde e de noite. Senta de tardezinha na porta da casa com um monte de latinhas ao redor. E que decorou sua casa de uma maneira muito estranha. Aproveitou todos os cantinhos para enfeitá-los com bibelôs de sapos de todas as espécies e tamanhos. Da sala de entrada ao quintal. Nas paredes, imagens de sapos; nas estantes, sapos vestidos de roupas e usando bonés; sobre a televisão, sapo pequeno dormindo; sobre o aparelho de dvd, sapo dando sorrisos; sobre os sofás, sapos gargalhando em forma de almofadas. No quarto tem outros tantos em cima da cama: apertando a barriga desses sai um coaxar igualzinho a de um sapo de verdade. Em cima do guarda-roupa a saparia verde, os maiores, vigia seu sono. No quintal estão os sapos que não couberam dentro de casa: uns grandalhões, rústicos, de barro e de plástico.
Voltando ao quarto: sobre a penteadeira não tem sapos, mas algo bizarro também: um monte de vidro de perfume vazio. Pediu a todas as pessoas da cidade que dessem para ela os perfumes que fossem acabando. Tem todos os tipos de perfume que se foram.
Ah, e na cozinha? A saparia divide espaço com as joaninhas. Enfeitando a geladeira tem ímãs de joaninhas de todos os quilates, de todos as formas. Quando se tenta abri-la, as joaninhas caem pelo chão, numa barulheira terrível. Conta-se que uma senhora sua prima chegou pra visitá-la e foi abrir a dita geladeira pra pegar água... Quando vem de lá aquele monte de joaninha destrambelhada, a outra não fez por menos: pegou uma bacia, colocou todas as joaninhas dentro e aconselhou a prima a jogar tudo fora. O que essa não fez, claro.
Voltando aos sapos. A cidade inteira quis saber por que o incutimento da dita cuja pela saparia. Ela disse que foi uma coisa à toa. Estava sentada de tardezinha na porta, bebendo sua cerveja, quando viu um sapo na calçada, perto do rio. Aí imediamente pensou: puxa, o sapo, um bicho que ninguém gosta... Apiedou-se, portanto, e resolveu render-lhe homenagem. O marido é quem mais sofre, coitado: na hora de dormir deita-se sobre os sapos coaxando porque ela não quer, de jeito nenhum, tirar os lindinhos verdes da cama.
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11 comentários:
Acho que não é bondade. É insistência. Leônia bebe, arruma os cabelos e espera. Cada um dos novos habitantes da casa é mais uma tentativa, um beijo que não vingou.
Leônia está é pirada do cabeção! Ninguem em sã consciência enche a casa ( e a cama) com sapos. Duas joaninhas na geladeira já dariam a pista! Devia encher a geladeira de cerveja, deixar o marido dormir com Joaninha e sentar no passeio arrodeada de sapos. Pegava melhor pra Léo.
o final é ótimo pois jamais imaginei que Leônia fosse casada.
Apois. Eu tampouco imaginaria que ela fosse casada. Deve ser uma criatura divertida, além de espetaculosa.
Oi, Aeronauta. De volta e feliz com todos os textos que acabo de ler - um monte, depois de mais de uma semana fora. Tô ainda mais curioso com Morte Abjeta, que ainda não chegou aqui em casa. E as suas memórias continuam afinadíssimas, tocantes, como na da foto do pai, e engraçadas, como nessa de Leônia. Impressionado tb com a sua história de prender as pessoas queridas!!! Abraços!
Figuraça, essa Leônia! Eu também tenho a maior simpatia pelos sapos (mas não os coloco na cama). Um tio e uma prima minha também têm. Os sapos são feios, desengonçados, e se transformam em príncipes, como nós.
De sapos e outros causos: beleza de texto.
Sei de alguem, bem pertinho de mim, que também tem essa fixação por sapos, mas por enquanto, graças as Deus, não passam de vinte, os sapos, e todos de pelúcia. Beijos.
Oh, moça dos ares, reclamou tanto de mim e agora? por que a demora? adonde andas? o vento te levou pra outras banas?
Só tem maluco no mundo!!!!!
Bjs
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