quarta-feira, 2 de setembro de 2009

As irmãs


E a menina, desse jeitinho aí, vai ao lançamento de Maria e Nilson. Junto com a irmã. As duas cresceram, mas o jeito delas é o mesmo. A menina vestida de verde, eu, sempre afundando dentro da parede, sem saber direito o que fazer com as mãos. A irmã, ladina, estala seus dedos, em festa. Ela é profundamente especial: veja só o seu olhar: arteiro, espirituoso, como quem acabou de chegar de uma corrida de guerrô. Os olhos tristes da outra são uma condenação. O espanto é uma sina. Só escorando na parede é possível estar para os outros.
É no lançamento de Maria e Nilson, as duas irmãs juntas, que a vestida de verde, eu, descobre os malefícios do nome que ela mesma lhe colocou a fim de mais afundar na parede. Descobre que agora só Aeronauta vive, a monstra. Aeronauta eclipsou o seu outro nome, roubou a cena. Nos dois livros, a dedicatória impressa não está para ela, eu, mas para a Aeronauta. Ela sente ciúmes, inveja, ódio dessa impostora que inventou. A irmã, na festa inteira, tenta ajudá-la, mas ela continua se comportando como nessa foto: buscando a parede como apoio frio. A irmã, risonha e espirituosa, tenta ampará-la, tirá-la do meio das estantes da livraria, mas ela quer mesmo é entrar num livro daqueles, de preferência de um que nunca será vendido.
A menina de verde tem dentro de si o demônio clariceano, e quer matar uma das duas. Não a irmã, claro, a irmã será imortal nas suas mãos. Ela quer matar esse personagem que ganhou tanta vida própria a ponto de morar nas dedicatórias que seriam suas. O mal que habita o mundo infantil é genuíno, não se prendem crianças por assassinarem gatos. Ou se mata o personagem, ou se mata quem criou o personagem. Não há mais espaço para uma figura e uma sombra, uma sombra e uma figura. Como realizar o crime perfeito? Dostoievski me espreita, cúmplice, e eu pego na estante Os irmãos Karamazovi.



Imagem: "As irmãs". Década de 70. Retrato de Mozart Santana.

14 comentários:

Nilson disse...

Sugiro uma solução conciliadora: um livro autografado para você, que inventou a Aeronauta e agora se confronta com a própria criatura! Uma fórmula de transição, até que ela, a Aeronauta, é que vá para o livro -o merecido livro da Aeronauta -, e libere a menina de vestido verde para os próximos lançamentos - vem aí o de Kátia!!

Menina da Ilha disse...

Desde ontem que tenho vontade de beliscar com todas as minhas forças, os braços gordos dessa menina de verde para ver se ela acorda e reconheça de uma vez por todas o quanto é especial e importante para as pessoas que realmente a amam . Aeronauta não passa de um brinquedo em suas mãos. Não precisa matá-la. Ela foi apenas o instrumento usado por vc para que outras pessoas maravilhosas entrassem na sua vida e descobrissem o quanto é bom ter vc como amiga. Você é privilegiada por poder usar as duas ao seu bel- -prazer.

Muadiê Maria disse...

Aeroanjo,

essa menina vestida de verdida é também uma sedutora...
mate aeronauta, não, cabe em você multidões
beijo

Gerana disse...

Gozado, eu sinto que aeronauta está para você, assim como um Ricardo Reis está para Fernando Pessoa. Nada mais do que isto, muito simples!
Não esqueço um só instante da escritora que você é! Você, a criadora, porque ela é sua criatura!

Alguém que admira seus textos disse...

Tenho uma sugestão. Não mate Aeronauta. Dê a ela sua face que sempre viveu às escondidas. Você é ela e ela é você. Revelem-se.

Sigo sempre admirando seus textos.

LÍVIA NATÁLIA disse...

A mulher é sempre um duplo infinito, redrobrado, sempre um horizonte, uma aporia. Não há mulher que assim não seja. Um nome é apenas mais uma máscara que dença sobre nossa face que, desavisada, acha que está coberta. Mas, sob a máscara medrosa firma vigorosa a voz, dançam os cabelos, escreve a pena. Teu nome, se junto aos anjos ou nos aeros do tempo imemorial, é apenas o batismo um sacramento. Mas você, sua escrita e sua olhar agudo, lambendo o mundo, sepre serão sacrílegos e imortais.

Um nome é apenas uma máscara.

Marcus Gusmão disse...

Aeronauta,sua criadora está numa sinuca de bico. Diga a ela que não adianta lhe matar. Que é melhor sair do armário e ir à luta para nos conquistar como fez você.

Marcela disse...

Olá é a primeira vez que passo pelo seu blog.
Gostei muito da narrativa, principalmente da parte do demônio clariceano...
Acredito que você vai descobrir que não precisa matar uma para a outra aparecer, um mundo inteiro ainda está dentro de você e muitas mais poderão surgir e coexistir.
Se tiver um tempo dá uma olhada no meu blog: www.marcelamattar.wordpress.com
Boa sorte para você(s) rs

Bernardo Guimarães disse...

ainda estou sob o impacto de te abraçar de verdade. hj escreverei sobre jana. amanhã será vc. ou ela, já não sei mais...

LÍVIA NATÁLIA disse...

Aero, estou me recordando na mal-fadada profecia da cartomante. Não seria então esta persona a deixar o palco?

Anônimo disse...

Aero,
primeiro assino o que diz Nilson. Depois... jurava que havia dedicado o livro à outra.
Beijo e beijos, nos vejamos mais
Maria

Lidi disse...

Assino em baixo em tudo que todos escreveram, principalmente, Menina da Ilha. Você é especial. Um beijo.

André Ricardo disse...

Nossa que foto meiga, capaz de demostrar a beleza de uma criança tímida aos olhares externos, mas por dentro um ouro genuíno que se expressa atraves das letras, da poesia e de tantos textos que produz para embriagar a alma de muitos que adimiram a sensibilidade humana de mostrar a beleza da vida com matáforas e aranjos de letras. Deixe aeronauta viva, pois a mesma foi criada para, de maneira secreta, demostrar os sentimentos e enquietações de sua criadora.

Edu O. disse...

Eu que estou acostumado a conviver com tantas personagens, a me confundir com elas, acabo agradecendo muitas vezes a cunfusão, porque é um disfarce besta, as personagens somos nós mesmos e os outros fingem não saber. Você jamais matará Aeronauta e muito menos ela te sufocou, ao contrário, te revela mais ainda.