Puxei a pai no destempero, no horror, no nervoso. Besta é quem pensa que sou calma. Sou um turbilhão. Pai também aparentava calma; só de longe. Entrasse no fusquinha com ele que você iria ver o que era agonia. Ou melhor, fizesse uma viagem com ele dentro do fusquinha que você iria ver o que era horror. Ele dirigia com o corpo todo debruçado sobre o volante, trêmulo, numa afobação danada. E a afobação era falante: "Meu Deus, se esse carro não atolar agora não atola nunca mais!" Ou: "Nessa curva aqui já morreu não sei quantos! Perigosíssima!"
Nas célebres viagens que fazíamos em família - todos os domingos para a roça - as cenas se repetiam: "Meninas!" Ele gritava pra mim e pra minha irmã, já dentro do carro: "Meninas, vão olhando pra trás! Se virem algum rastro de fumaça dêem um grito, pra dar tempo a gente sair e correr!" E nós duas tome pescoços pra trás! "Fusca é o carro que mais pega fogo no mundo!" gritava ele lá da frente.
Isso tudo sem precisar contar, e já contando, que em determinadas partes da estrada ele nunca se esquecia de lembrar de um compadre, de um fulano e de um sicrano que ali morreram. E detalhava todo o causo: como foi a morte, como os parentes ficaram...
Estou lembrando disso tudo porque hoje, andando pela Cidade Baixa, me lembrei dele. Ele que adorava Salvador e trazia toda a família nos finais de ano. (De ônibus, claro.) Adorava, mas sempre alertando sobre os perigos. Quando entrávamos num edifício, ele dizia: "Não gosto de entrar nisso não! Pois se começar a pegar fogo lá embaixo, quem está cá em cima não tem pra onde fugir!"
Uma das coisas daqui de Salvador que ele mais gostava era o Plano Inclinado. Fazia questão de nos levar, dentro daquela "combi diferente", para a Cidade Baixa. No meio do caminho, praticamente no ar, ele, nervoso, nunca se esquecia de dizer: "Meninas, olhem como é bonito! Mas se esse negócio despencar daqui, já era! Não sobra ninguém!"
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11 comentários:
E ele tentando me ensinar a dirigir? Se lembra? Quando vinha um caminhão ele praticamente tomava o volante da minha mão pedindo que eu tivesse calma, muita calma, numa afobação perturbadora. Se eu não o tivesse proibido de ser meu instrutor, provavelmente não teria aprendido a dirigir.
Meninas, seu pai é uma figura! adorei o cara! Tambem curto estas historias familiares, vidinha do interior.
Aero e Menina,
PAI é MA - RA - VI - LHO - SO!
(o tempo presente é proposital. Sei, ele já partiu, mas está aqui conosco através de suas histórias)
Beijo
Maria
Nossa, história de fusca!!! Tenho tantas. Tínhamos um que até goteira tinha. Fusca e família... união perfeita para bons casos.
Que figura esse pai. Um cara otimista! E também sou assim como você, todo mundo que olha pensa que sou calmo, mas por dentro é uma agonia retada.
Aeronauta,
seus textos são deliciosos e sempre me levam às minhas próprias lembranças.
Companheira, conviver com pai fóbico é dose pra leão! No meu caso, os dois eram fóbicos, mas só quem me mostrava o medo era minha mãe. Até hoje me assusta.
Beijo,
Martha
Aha! Tal pai, tais filhas!
Menina, que delicia de texto. Aliás, os textos todos são ótimos. Linguagem clara, correta e bonita. E os temas são todos interessantes! Dá gosto ler este blog!
Um beijo!
ADOREI O POST!
Ri muito no "e tome-lhe pescoço pra trás".
Que delícia essas recordações vivas, que, apesar do tempo, não ficam amareladas e transbordam dentro do presente.
P.S- Obrigada pelo comentário no post sobre Bia, viu?
Herica
É aeronauta sempre estou lendo seu blog as vezes dou risada as vezes fico emocionada, ler o que voçê escreve é muito bom é uma terapia.
Eu adoro isso aqui. Beijos. M.
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