Hoje resolvi participar de um seminário espírita cujo tema era o passe. O palestrante muito bom, bem articulado, bem humorado, soube conduzir de maneira brilhante toda a sua palestra, sem que os ouvintes pestanejassem ou tivessem sono. Pela manhã e pela tarde. Pela manhã foram os conceitos teóricos, e à tarde foi a parte prática. À tarde, pois, ele chamou cobaias à frente, para que os presentes vissem como se dá um passe. A cada pessoa que ia lá à frente, ele perguntava qual o problema que tinha.
Eu queria, eu necessitava com toda a urgência do mundo de um passe. Desde ontem a depressão se acentuou; ela que vinha me rondando em doses melancólicas, ontem à noite entrou de vez no meu corpo; diria que encarnou em mim, e foi com ela encarnada em mim que saí em busca de uma ajuda espiritual. Acordei hoje, portanto, dia de domingo, bem cedo, coisa difícil, para poder entender os mecanismos do passe, receber um, e até, quem sabe - pensei numa temeridade de leiga - aprender a dar o autopasse.
Pois bem, na hora em que o palestrante começou a chamar as cobaias, eu me aticei na cadeira. Queria por queria ir logo. Tive que conter minha excitação, e depois da segunda cobaia eu levantei e fui à frente. Eu sabia de todos os riscos de exposição que eu corria, eu sabia. Mas eu precisava do passe, e para isso valia a pena correr o risco da grande exposição.
Fui à frente, e antes de me sentar na cadeira que ali estava me esperando, ouvi a inevitável pergunta: o que eu tinha. Eu disse "depressão". Ai, na frente de todos. Ele quis brincar, perguntou se eu não estava amando... Ri sem graça. Era o momento da cobaia aqui ser representante da grande doença espiritual que ataca tanta gente e poucos assumem. Principalmente em público, e numa cidade pequena.
Antes de mostrar como se aplica o passe num depressivo, o palestrante falou bastante sobre a doença, com exemplos. Depois foi indicando, aos olhos de todos, como se aplica esse passe específico, ilustrando em quais chacras as mãos deveriam agir. Senti que eu ali à frente, assumindo uma das piores doenças do mundo, era uma heroína. Uma heroína sem graça, desprotegida, mas uma heroína. Tímida que só o trem ruim, eu era naquele momento a mulher mais corajosa do mundo. De lá já sentia o espanto das pessoas que me conheciam de vista e que não imaginavam que eu iria me declarar doente; e doente dessa doença. Senti um compadecimento geral. E depois que me levantei da cadeira, os olhos dos outros eram diferentes. Pode ser impressão minha, mas senti que as pessoas me olhavam diferente, misto de pena com desconfiança. "Será que a professora é doida?" "Coitada dela!" Imaginei - e levem em conta aqui a mania de perseguição própria a essa doença - imaginei que eles estivessem falando essas coisas por dentro.
Pronto, já tenho um distintivo. Como os judeus tinham.
Imagem: Van Gogh, claro.
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11 comentários:
Fiquei curiosa para saber se curou a depressão.
Literatura à parte, o contexto adiantou-se a ela e ficou a curiosidade. Curou?
Aero, não dê ouvidos às vozes da cidade, e ponha um filtro nas do seu próprio pensamento, que a depressão nos distorce feito espelho mágico.
Vá mais vezes tomar o passe. Adorei sua atitude, de heroína mesmo, por que não?
Precisando conversar, estou aqui, crise depressiva de volta, açoitado pelo chicote da consciência, esquecido de mim mesmo. Bj
Celso/Chorok
Gláucia: o palestrante me disse que eu tenho que fazer um tratamento no centro. Na verdade, o passe só faz efeito completo se for dentro de um tratamento.
Chorik: vou sim voltar ao centro, e tentar fazer o tratamento. Difícil amigo, essa doença, você bem sabe.
Aeronauta,
Leio você diariamente e posso dizer que sou sua fã. Também sinto-me um pouco heroína, toda vez que declaro que tive depressão pós parto (e olha que foi uma gravidez planejada e a criança muito desejada e aguardada). Não tive rejeição ao bebê, mas uma tristeza profunda que não sabia explicar. As pessoas se assustavam e ainda se assustam quando eu relato isto, dizem: "mas você é concursada, tem emprego garantido, ganha bem, o bebê é saudável, você e seu marido o planejaram...". Nestas horas cito o que um professor meu de faculdade (graduei-me em fisioterapia, apesar de não mais exercer a profissão) falou sobre a depressão: "Da mesma forma que você não pode dizer a um cadeirante vamos, levante desta cadeira, deixe de preguiça, você não pode dizer a uma pessoa com depressão sooria, deixe de tristeza, pois não se trata de tristeza, mas de uma doença orgânica." Mas lembre-se que esta pode ser tratada, por médicos, terapia e porque não, com a ajuda também do Centro Espírita. Desejo-lhe sucesso nesta Batalha! Abraço!
Obrigada, Patrícia. Bom ouvir seu depoimento, saber que, no final das contas, não estamos sozinhos. Grata pelas visitas. Grande abraço.
Lindo o seu texto, amiga alada, você é mesmo uma heroína. E heróis somos todos nós que não negamos a depressão. Bjs
Essas coisas me fazem lembrar do velho Belchior: "Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol, quando você entrou em mim como o sol no quintal. Aí um analista amigo meu me disse que desse jeito não vou ser feliz direito"...
Quando eu ouvi essa música pela primeira vez, não estava lá nos meus melhores dias, tal qual "o goleiro na hora do gol". E de lá pra cá tenho, amiúde, refletido sobre a árdua e complicada luta contra o simples fato de estar no mundo, de ter que se relacionar, competir, dividir, etc. Poxa! Mas não é natural estarmos aqui? É natural sim, mas de uma complexidade indescritível.
Daí a dificuldade de "ser feliz direito". E para aliviar as minhas dores e dissabores, já que não sou adébito a nenhum credo, "enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto", mesmo que poucos ainda suportem emprestar seus ouvidos à minha cantoria besta, chata e ultrapassada. Rs. É bom também rir de si.
Abraços,
Anônimo I
Anônimo I: Seu comentário me emocionou. Como sou muito musical, assim como você, e adoro de paixão o Belchior, foi impossível não me emocionar com suas palavras. Nada mais delicioso do que a música para desenharmos o nosso jeito de ser "feliz direito". Você tem uma sensibilidade ímpar...que acarinha sempre quem te lê. Grande abraço!
Ângela querida,
depois que li seu escrito, tive pela segunda vez a certeza de quão corajosa és. Num mundo de aparências, o que menos as pessoas querem mostrar são as suas fragilidades. Mal sabendo elas que esse é um ato de muita coragem. Tu és corajosa! E sabe o ser, ainda assim, com literatura. Desejo-te um "viver" intenso, com cada dor que ele permite e cada sabor que ele te faz experimentar. A intensidade na vida é sempre um aprendizado. Busque seus caminhos onde achar que o seu coração te lavará. Eu posso te ouvir, conversar com você, e sobretudo, doar-te o que de mais rico eu tenho, meu tempo. Grande e forte abraço!
Sandra,
Fico imensamente grato por suas palavras sempre generosas para com esta anônima pessoa. Você, percebe-se, é uma pessoa realmente musical e, talvez por isso mesmo, de sensibilidade à flor da pele. Não é em vão essa relação tão harmônica que você mantém com Ângela, poetisa igualmente sensível, que sempre nos presenteia com suas obras extraordinárias, lenitivo para nossas dores quotidianas.
Ler seus comentários, Sandra, obviamente tem sido pra mim também uma verdadeira carícia.
Abraços,
Anônimo I
Gente, pelo amor de Deus! Onde eu achei essa palavra: adébito?! Leia-se adepto, por favor!
Vasculhando seu blob hoje, Aero, no texto de nome "Distintivo", é que fui perceber o meu escorregão gramatical (Rs). Mil perdões!
Abraços,
Anônimo I
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