sábado, 16 de novembro de 2013

Reginaldo Rossi

Começo a narrar o acontecido com um velho clichê: "Não foi brinquedo não". É, ontem o show de Reginaldo Rossi não foi brinquedo não. O homem é uma figura interessantíssima, e faz parte do meu imaginário brega com muito amor. Mas a dificuldade para conhecer esse homem valeu uma passagem pelo Inferno. De verdade, o Inferno existe, o Inferno é vermelho, amplo, friorento, onde a área vip é semi-descoberta e tenta matar, quem está lá,de frio. Quem sobrevive, ganha uma nova vida. Foi o que aconteceu ontem com duas mulheres desamparadas: eu e mãe. Nós duas batemos queixo de frio das nove da noite (hora em que chegamos) até as três da madrugada. Isso porque o homem de cabelo de fogo, óculos escuros, vestido de preto, só apareceu no palco 1:00h da manhã. Antes disso botaram um cantorzinho fuleiro para desafinar à vontade. Este cometeu o maior pecado que nem no Inferno se deve cometer: inventou de homenagear Dominguinhos, e desafinou feio. Tal fanisquito de cantor dançou no palco das 11 da noite até a hora de Reginaldo Rossi ficar no "entra não entra". O palco todo decorado de vermelho fechou suas cortinas e a gente só ouvia o anúncio, aquele mesmo escutado desde às 9:00, nos intervalos: "Daqui a pouco espetáculo internacional, com Reginaldoooooooooo Rossssssssssssi!" Cortinas fechadas, chuva e frio no lombo, principalmente para os que estavam na área ampla, alguns gatos pingados (pouca gente foi a essa festa, verdade seja dita). Pois é, anúncio, anúncio, espeque no meio do cortina fechada, que mãe achou ser dois homens juntos, um montado no ombro do outro, e nada de Reginaldo Rossi aparecer. Aí mãe, coitada, morrendo de sono e frio, perguntou: - Será que não é mentira, será que não inventaram que era show dele? - Não é possível, mãe, não pode ser! Passado tanto tempo, ela perguntou: - Será então que ele não está é dormindo lá dentro? Me acabei de rir, e respondi com os lábios e pernas tremendo: - Deve ser. Se dormia, foi duro para fazerem esse bendito homem acordar. A essa altura eu já me arrependia de ter ido. E me perguntava: "Por que tudo aqui é tão difícil?" Quanto me fiz essa pergunta eis que surge de lá o Homem. Todo praticado no preto, óculos escuros, cabelo de fogo, barriga pra frente, pernas finas, miudinho, cantando "Garçom"! Aí o coração bateu forte, mãe feliz, rindo, valeu, Deus! Daí em diante foi o desgramado falando esculhambação, contando as histórias de cada música famosa sua. Mãe não piscava o olho. Um só instante, pensei, vale um Inferno inteiro. A todo momento, quando ele finalizava uma música, ela me falava ao ouvido um número: - Oito. - Oito o quê? - Ele já cantou oito músicas. Quando deu quase três horas da madrugada, ela falou ao meu ouvido: - Dezoito. Ele já cantou dezoito músicas. Quando você quiser ir... Saímos de lá ouvindo ele chamar uma moça da plateia de gostosa e rabuda. Iria cantar "Leviana", música que, segundo ele, ensinava a mulher a tirar o dinheiro do marido, às escondidas.

sábado, 9 de novembro de 2013

O que se passa com nossa psique lá na barriga da mãe, diante da véspera de nascer? Deve ser a mesma agonia que teremos na iminência de morrer. A chamada gastura. Eu estou hoje, na iminência de nascer, com muita gastura. Vou nascer de novo amanhã, não façam estardalhaço. Pai, não solte foguete de novo, não gostei. E aquele entrai e sai de gente dentro de casa? Todo mundo falando "é a cara da mãe", "é a cara do pai", "é a cara do seo Jesuíno". Eu não tinha cara de nada, estava muito chateada, isso sim, de ter que passar por novas expiações e provas, sabia naquele dia (depois esqueci) de tudo que iria passar adiante. Essa memória não é clara, é evanescente. Eu enrolada em cueiros, com a cara amassada, berrando, criança feia como toda criança que acaba de nascer, feios como seremos na iminência de morrer. Os dois caminhos se cruzam: muita gente no quarto (não, não quero morrer no hospital), a parteira ao lado, mãe me abraçando, minha vó fazendo mingau de parida, um auê na casa, todo mundo mandando e desmandando em quarto, cozinha e sala, coisa que só em dia de morte se assemelha. Mãe pálida, nasci com os pés para fora, e não com a cabeça, que atrevimento. Dei trabalho a mãe Isaura, a parteira, parto demorado, água quente, pai do lado de fora, ébrio, tinha passado a noite na farra, o povo todo em preto e branco, em retrato perfeito da década de sessenta. Aquele bebê ali embrulhado na cama, como pacote, era eu. Aquele trocinho besta era eu. O que vim acrescentar ao mundo? Meu anjo da guarda começou a trabalhar nesse dia. Coitado dele.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

não se paga

Só fiz amar. Todos os dias, como se amar fosse algo natural, como minha própria respiração. E é.

2013

2013. Um ano de provas e expiações. De tirar o fôlego. De tirar a pedra no meio do caminho e aparecer outra. Gigante. De resolver enfim levar a pedra nos ombros, para ver se tal sacrifício comove os deuses; mas os deuses são cruéis e nos transformam num novo Sísifo; Sísifo sorrindo, às vezes, desse destino besta e cansativo. 2013. Ano de rupturas. Ano de brigas. Ano de poesia. Ano de facebook, ano de abandonar essa casa, e passar por aqui apenas esporadicamente. Ano que ainda não decifrei seu significado. Ano treze, cabalístico. 2013. Sete anos completados, em maio, de minha defesa de doutorado. Cabalístico. Tanto perdi, tanto ganhei: palavras, palavras, palavras. O cesto se enche delas: como água, olho para dentro e nada mais vejo: desapareceram... Resta-me eu sozinha. Aqui.