sábado, 9 de novembro de 2013
O que se passa com nossa psique lá na barriga da mãe, diante da véspera de nascer? Deve ser a mesma agonia que teremos na iminência de morrer. A chamada gastura. Eu estou hoje, na iminência de nascer, com muita gastura. Vou nascer de novo amanhã, não façam estardalhaço. Pai, não solte foguete de novo, não gostei. E aquele entrai e sai de gente dentro de casa? Todo mundo falando "é a cara da mãe", "é a cara do pai", "é a cara do seo Jesuíno". Eu não tinha cara de nada, estava muito chateada, isso sim, de ter que passar por novas expiações e provas, sabia naquele dia (depois esqueci) de tudo que iria passar adiante. Essa memória não é clara, é evanescente. Eu enrolada em cueiros, com a cara amassada, berrando, criança feia como toda criança que acaba de nascer, feios como seremos na iminência de morrer. Os dois caminhos se cruzam: muita gente no quarto (não, não quero morrer no hospital), a parteira ao lado, mãe me abraçando, minha vó fazendo mingau de parida, um auê na casa, todo mundo mandando e desmandando em quarto, cozinha e sala, coisa que só em dia de morte se assemelha. Mãe pálida, nasci com os pés para fora, e não com a cabeça, que atrevimento. Dei trabalho a mãe Isaura, a parteira, parto demorado, água quente, pai do lado de fora, ébrio, tinha passado a noite na farra, o povo todo em preto e branco, em retrato perfeito da década de sessenta. Aquele bebê ali embrulhado na cama, como pacote, era eu. Aquele trocinho besta era eu. O que vim acrescentar ao mundo? Meu anjo da guarda começou a trabalhar nesse dia. Coitado dele.
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