terça-feira, 21 de maio de 2013

A vinda


Falaram que era minha hora de vir: não queria, dei chilique, corri para dentro das nuvens. Um Senhor com vestes brancas gritou alto para os outros: "É a menina, peguem ela aí!" Esses outros conversavam numas árvores perto das nuvens, todos também de branco. Diante do comando, desataram a correr olimpicamente atrás de mim. Me escondi dentro da nuvem mais densa, mais escura, que trazia como promessa uma trovoada de acabar mundo. Mas esses Senhores de branco eram donos das nuvens, donos de tudo, e sabiam que eu teria que vir. Me pegaram a pulso, eu esperneando gritava "não quero ir, não quero ir!", chorando aos berros, apelando para Jesus, "Jesus por favor me salve!" Ele, no mesmo instante, de longe, me enviou um aceno: o aceno mais belo, mais forte, e que me impulsionou a vir, sem mais gritos, só choro, um choro miúdo, resignado. Aqui estou. Não é fácil isso não; aqui peso tanto que não levito, e há uma dor cravada no peito que não facilita as coisas. Mas não dá para esquecer o aceno de Jesus quando resolvi ceder e vir. Não dá. Lembro agora desse aceno terno e afetuoso, e luto para conseguir forças para continuar seguindo. Sinto enjoos, tonturas, não me adapto à essa temperatura compacta, ao peso do corpo, mas preciso ficar até o fim, quando talvez, nesse fim, possa descobrir a finalidade de minha vinda.

2 comentários:

Marcus Assis disse...

no inicio achei que estavas a morrer, mas estavas mesmo era nascendo

Sandra Pereira disse...

Eu relutei Ângela, querida, em comentar esse escrito seu. Ele é tão doloroso, tão sofrido. Mas nascer é mesmo assim, um medo terrível de "viver". De vir aqui onde estão todos esses caminhantes e tentar junto a eles, caminhar. Eu porém tenho que te dizer bela escritora, que levitas sim...na belíssima arte de escrever. Um forte abraço!