O quintal de lá de casa é uma lembrança forte. Era enorme, tinha um pé de carambola baixinho, pendurado de carambolas, um portão e uma escada de cimento que dava para o rio. A gente acordava e nosso primeiro contato com o mundo era o quintal: descíamos os degraus correndo, com a escova e o creme dental na mão, e íamos escovar os dentes no rio...
Voltando da escola, à tarde, era sob o pé de carambola que fazíamos nossas brincadeiras. As folhas eram dinheiro vivo para mim, para que eu pudesse fazer compras para minhas bonecas. Minha irmã não, gostava do pé de carambola para subir até o mais alto dos galhos e ficar de lá de cima proclamando sua audácia. Eu não subia, tinha medo de cair, mas catava todas as folhas possíveis para não deixar que minha casa de brinquedo passasse necessidades.
À noite, mãe abria as janelas que dava para o quintal. E era o vento que vinha do balançar do pé de carambola que trazia fresca lá para a casa. O calor era danado, e o vento vindo do quintal era o nosso mais delicioso ventilador.
Tínhamos sim, eu e minha irmã, uma relação forte com o pé de carambola, que se acentuou quando nós duas líamos e chorávamos, líamos e chorávamos o "Meu pé de laranja lima". Nós talvez pressentíssemos que aquilo tudo um dia ia acabar: quintal, pé de carambola, portão, escada, rio para escovar dente, etc.
Num final de tarde da década de oitenta, chegando do ginásio, encontramos um futuro sombrio: o quintal tinha desaparecido e plantaram uma casa nele. Não teríamos mais acesso ao rio, desapareceram portão e escada. Desapareceu o pé de carambola. Eu e minha irmã choramos, choramos, choramos, tal qual Zezinho, eu e ela, repetindo e repetindo o livro de José Mauro de Vasconcelos.
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6 comentários:
A maneira como você narra a sua infância, descrevendo os acontecimentos, as lembranças, as paisagens, como se fossem momentos mágicos (e o são), - é sensacional
Identifico-me demais com sua escrita, com este mundo mágico de suas reminiscências.
Minha infância também tinha um quintal, com uma imensa goiabeira, que era minha amiga, confidente dos meus sonhos, testemunha das minhas fantasias e dispensadora da fartura que me alimentava nos momentos inesquecíveis de alegria.
Entendo bem a delícia dos pés de carambola. Na minha infância também tive um. E também de jabuticaba, laranja, tangerina e caqui. Para superar a saudade, plantei novas árvores na minha casa de pessoa adulta...
Isso me faz lembrar de uma Mangueira no quintal da minha casa era uma festa e ao mesmo tempo uma praga, eram meses de suco de manga, doce de manga, sorvete de manga, mto bom...saudades daquela mangueira...
Foi nesse dia que você se tornou adulta.
Grande beijo!
Carlos Rafael, fiquei emocionada com o seu elogioso comentário: bom demais, rapaz, receber um elogio assim;
Katherine, que bom deve ser ter uma árvore quando não há mais infância!
Críticas criticáveis: morri de rir com o "suco de manga, doce de manga, sorvete de manga"... adorei.
Renata, realmente você acertou: nesse dia comecei a envelhecer, ou seja, a ficar adulta.
Abraços a todos.
hahaha eu sou so um ser vivente, a Mangueira foi numa casa q morei em Feira de Santana, hoje ela só floresce nas minhas lembranças...
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