domingo, 16 de setembro de 2007

Um reino jamais perdido

Sempre fui uma pessoa esquiva: gente sempre me deu medo. Mas no fundo, eu sei, adoro gente. Descobri isso dando aulas. Amo apaixonadamente meus alunos. Gosto de olhar para cada rosto e adivinhar seus mistérios. A fidelidade às carteiras onde se sentam, por exemplo, é um mistério saboroso. Por que será que eles se sentam constantemente nos mesmos lugares? Outros mistérios? Ah, são muitos. Até quando desatam a conversar e eu chamo a atenção para a "feira de maxixe". Eles riem e voltam a prestar atenção à aula. São todos adultos, e se comportam como crianças: isso é o que mais me encanta, e ao mesmo tempo o que me deixa, às vezes, nervosa. Aluno, por mais que goste da aula que assiste, fica sempre doido para ir embora. Sei disso e tento, a cada dia, trazer algo novo, como quem quer roubar mesmo a atenção de uma criança...

Inúmeras vezes notei essa repetição: no primeiro dia de aula, na hora da sondagem, eles têm orgulho de dizer que detestam poesia. Nesse instante volto a sentir a dimensão do desafio... É preciso, a partir daqui, em todos os momentos da aula, olhar para cada rosto, cada olhar, cada gesto, para tentar descobrir o caminho. É ainda preciso não ter medo de amar cada rosto, cada alma e, também, cada desprezo que eles possam lhe dar durante esse percurso. E, mais, é intensamente necessário amar estar ali com eles. E chegar perto. E falar dentro da alma de cada um, mesmo daquele que faz desdém, ri do que você diz. Ah, é tarefa maravilhosa essa. Poesia e alma andam juntas, por isso o resultado sempre é bom, muito bom. Num certo dia você percebe que o interesse deles já começa a mudar, eles já vêem diferente o poema, sem bocejos, pois enxergam suas vidas ali. Depois começam a brincar com as palavras, e no final dizem: "puxa, professora, já estou começando a gostar de poesia!" Ou: "Eu não achava, professora, que poesia era assim..." E aí acontece a comunhão. É maravilhoso. Será que a sensação que sinto nesse momento é a mesma que um padre sente após uma conversão?

3 comentários:

Vivz disse...

Eu poderia ter sido sua aluna. Tb eu detesto poesia. Talvez pq eu não entenda a razão de se escolher a maneira mais difícil para se dizer coisas tão simples.

Um abraço.

aeronauta disse...

Personagem,

Talvez as pessoas que tentam ensinar a ler poesia é que são difíceis... Abraços.

Lidi disse...

Na universidade, tive apenas um professor de Literatura que mostrava paixão pela arte e que me transmitiu essa paixão: Mayrant Gallo. É tão bom termos (sermos) professores assim. Gostaria de ter sido tua aluna. Beijo.