domingo, 21 de fevereiro de 2010
"Vastas emoções e pensamentos imperfeitos"
Está lá em A interpretação dos sonhos: "Assim, Havelock Ellis (...) sem se deter no aparente absurdo dos sonhos, refere-se a eles como "um mundo arcaico de vastas emoções e pensamentos imperfeitos" cujo estudo talvez nos revele estágios primitivos da evolução da vida mental". Adiante, Freud registra palavras de James Sully: "Quando adormecidos, retornamos às antigas formas de encarar as coisas e de senti-las, a impulsos e atividades que nos dominavam muito tempo atrás".
Os sonhos, esses "produtos psíquicos", são, a meu ver, mistérios literários. Busco-me, pois, todas as manhãs, nos sonhos da noite anterior. Oh, o que quer dizer eu andar tão rápido numa rua (claro, a rua de minha infância, sempre), mas tão rápido que não consigo frear a tempo de uma carícia, de um abraço de meu mais precioso amor? Ou: o que poderá significar eu aparecer na frente de uma multidão com uma roupa rota, mínima, como que exposta numa vitrine embaçada? E, melhor ainda: por que procurarei um caixa eletrônico instalado dentro de uma igreja?
O sonho é, de fato, "a realização de um desejo"? E que desejo arcaico é esse que me fez voar sobre uma calçada a ponto de não conseguir frear para conseguir o que mais quero na vida? E que me despe todas as noites frente aos olhares humanos? E que me dá as roupas mais velhas, mais vergonhosas, expondo-me ao mundo?
Meus sonhos têm uma geografia bastante conhecida: o lugar de onde vim, a terra de minha infância. Têm também outra geografia: uma cidade desconhecida, com ruas repletas de casas vermelhas e muros altos, com ruas cheias de ladeiras e bandidos, onde sempre me perco sem encontrar o que busco. Essas duas cidades são recorrentes, cimentadas na medida em que o etéreo pode se materializar. Nelas estou solta como uma personagem louca no hospício: não há salvação, apenas imagens em fragmentos, recortes adulterados, portas sem saída. Talvez a resposta possível estaria no meio do caminho entre essas duas cidades, dentro da raiz mais profunda e acessível de uma árvore. Talvez.
Imagem: "Chão que sustenta", Celzira Colturato, galeria Explorer.
(www.flickr.com)
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4 comentários:
aero: outro dia perdi horas procurando a página onde Rubem Fonseca falava "vastas emoções e pensamentos imperfeitos", expressão que acabou sendo o título do livro dele. Se vc tiver a página passe para mim, por favor.
Freud diz que todo sonho é desejo.Não concordo, mas quem sou eu diante da fera?
Um belo texto, como sempre, aero. "O sonho é, de fato... expondo-me ao mundo": trecho de muita beleza e dor.
Para mim, o sonho é o mistério maior do universo. Desde a Antiguidade temos oferecido as mais diversas explicações sobre ele, nenhuma totalmente convincente.
A vida é sonho...
Ângela, que informação preciosa! Não lembro de ter lido essa frase maravilhosa em Freud, mas nunca esqueci do livro de Rubem Fonseca.
Beijo
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