sábado, 4 de setembro de 2010
parede-e-meia
É em mais uma noite de sábado como essa que, ao invés de ir deitar e descansar esse corpo velho, insisto em dedilhar teclas. Para quê? Me pergunto com ferocidade, como quem rasga a roupa nos dentes. Para quê? Quem está aí do outro lado? Está me escutando? Lembrei que mãe conversava com a vizinha pela parede. As casas do interior têm uma intimidade desconcertante: são parede-e-meia. Quer dizer, tudo se ouve, e se tudo se ouve tudo se vê. Pois bem, mãe na cozinha batia altos papos com Dona Nena. Para que telefone? Nem precisavam falar alto. Conversavam normal, como se estivessem uma em frente à outra sem parede de permeio. Acredito em parede-e-meia no mundo internético, por isso desisto de ir dormir e converso com você. Digo que a coluna está um caco: parece que vai quebrar. Já viu conversa mais comezinha? É dessa que preciso. Deixemos pra falar do livro de poesia numa outra noite; nesta eu quero falar de coisas outras, bestas, dar umas risadas, falar da vida alheia com graça, rir, rir. Saudades, amigo, de nossas conversas. Rir do universo sem pensar que estou sendo politicamente incorreta. Rir de mim, da parentalha, falar que raimundinho está na área e eu com medo dele. Está me ouvindo aí do outro lado? Se está vai se lembrar quem é raimundinho. Já conversei com você sobre ele; se não se lembrar coloque a palavra na busca aí em cima e você acha. Você vai rir, tenho certeza, pois que a rima drummondiana que meu primo carrega é mesmo sem solução. Sabe do que estou falando? É tão boa essa empatia. Saudade de sentir sua risada alta, o hálito bem perto, presença corporificada no universo. Vamos parar com essa rima? Não quero que isso aqui ganhe conotação poética, literária. Quero o retrato de nossas conversas o mais despojado possível, o mesmo de mãe conversando com Dona Nena pela parede da cozinha. Elas falavam coisas corriqueiras, como tempero de comida, comentavam sobre alguém que estava no rio lavando roupa, sei lá, coisas sem envergadura filosófica. É disso que preciso hoje, nesse sábado altamente profundo que me carrega.
Imagem: "com a noite de sábado". In: www.google.com.br
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7 comentários:
ainda bem que desde cedo mundinho escolheu maisa como sua preferida. chama ela pra dar uns pau nele! maisa é retada! e vó nem vai ver...
aero, querendo ou não, a literatura escapou de seus dedos, mesmo a conversa sendo de cozinha, que aliás, não há nada mais inspirador e verdadeiro em uma casa que uma cozinha onde o calor e os cheiros e as falas criam memórias inesquecíveis. Eu ontem à noite, coincidentemente, senti muita falta das conversas de cozinha que haviam na minha casa quando menina, que as melhores pessoas da minha vida estavam lá. Senti porque o meu pequeno teve desejo de canjiquinha, que ele saiu a mim com esse gosto solitário por canjica e, enquanto ela fervia, fervia-me a parte adorável da minha vida de menina.
bjs.
Se eu tivesse lido este post ontem, sábado, teria ligado para falarmos de tanta coisa, tudo sem teor filosófico, tudo comezinho, que é tão bom "jogar conversa fora" (veja como se diz de algo essencial - jogar conversa fora). Lembrei de Saramago que dizia que é a conversa das mulheres que faz o mundo girar.
estou aqui. e lembro de raimundinho. Mas não se engane, altamente filosófica a conversa entre sua mãe e dona Nena
Quantas vezes conversamos, não é mesmo? Sem nenhuma envergadura filosófica. Queria que morássemos mais próximas. Queria que tivéssemos mais tempo. Bjs.
Minha mãe conversava com a vizinha pelo muro. Isso até essa vizinha fazer lá umas desfeitas e o muro voltar a separar as famílias. Acho que tb tô mais pra conversas comezinhas!!! (Ângela, vou te ligar. Parece que aquele problema de agenda é mesmo incontornável. Tô chateado!)
Que prosa morna, morna no sentido de terna, pois sua escrita é quente e visceral. Todos temos esses momentos que, parecem, ficaram na infãncia, e guardados, inesquecíveis, aqui dentro de nós.
Publiquei um outro conto lá.
Abraço.
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