
Existem sombras em minha escrita. Clarice nela habita, ecoando o que acredito ser genuinamente meu. Sou sombra descarada de muitos, imitação barata de tudo. Cadê eu? Não habito esse mundo; sou sombra de meus antepassados; simulacro, repetição em cadeia, falo o que falam meus pais e meus tios e meus primos. Meu sotaque me denuncia, evidencia minha origem roceira, pé de pau fincado no mato, folha que balança sem vento. Tudo que escrevo muitos já escreveram, não há originalidade em mim; tenho um rosto comum demais e vocês bem sabem como é um rosto comum que envelhece: não há motivos para tristezas, mas para risadas. Sou uma piada, sem qualquer lirismo. Já fiz ioga, terapia, tentei o ommm e o espaço sideral: estou caída no chão mesmo, com meu rosto comum, que envelhece sem qualquer comoção. Cansei de pintar os miseráveis fios brancos, grossos, que se enxertam em minha cabeça e fazem uma coroa trágica acima de minha testa. Até nisso imito; imito a coroa branca acima da testa que mãe usa desde os quarenta. Será que minha dor é original? Que nada, todos a sentem, de maneira aguda, como uma agulha entrando sutilmente no pescoço. Nem meu destino é meu: nele você entra, com um cajado maldito, tangendo árvores e cantos para baixo, bem abaixo do céu; sou tão pouco original ao pensar, sempre, que quem faz isso é Deus.