quarta-feira, 20 de abril de 2011

abaixo do céu


Existem sombras em minha escrita. Clarice nela habita, ecoando o que acredito ser genuinamente meu. Sou sombra descarada de muitos, imitação barata de tudo. Cadê eu? Não habito esse mundo; sou sombra de meus antepassados; simulacro, repetição em cadeia, falo o que falam meus pais e meus tios e meus primos. Meu sotaque me denuncia, evidencia minha origem roceira, pé de pau fincado no mato, folha que balança sem vento. Tudo que escrevo muitos já escreveram, não há originalidade em mim; tenho um rosto comum demais e vocês bem sabem como é um rosto comum que envelhece: não há motivos para tristezas, mas para risadas. Sou uma piada, sem qualquer lirismo. Já fiz ioga, terapia, tentei o ommm e o espaço sideral: estou caída no chão mesmo, com meu rosto comum, que envelhece sem qualquer comoção. Cansei de pintar os miseráveis fios brancos, grossos, que se enxertam em minha cabeça e fazem uma coroa trágica acima de minha testa. Até nisso imito; imito a coroa branca acima da testa que mãe usa desde os quarenta. Será que minha dor é original? Que nada, todos a sentem, de maneira aguda, como uma agulha entrando sutilmente no pescoço. Nem meu destino é meu: nele você entra, com um cajado maldito, tangendo árvores e cantos para baixo, bem abaixo do céu; sou tão pouco original ao pensar, sempre, que quem faz isso é Deus.

10 comentários:

Marcantonio disse...

E há algo de novo ou original sob o céu? Estamos distantes do paraíso onde habitavam os dois únicos originais e seu pecado. E só eram originais porque fictícios, inventados bem depois da origem perdida entre os elos da noite.

Abraço.

Anônimo disse...

Há algum mal em se copiar o bom? Não és original, és mais que isso. És única.

Beijocas.

Blog do Akira disse...

Palavras secas, duras e desamparadas debaixo do céu. Fiquei desamparado.

maray disse...

também me pego fazendo tudo "igual a nossos pais". E me pergunto se eu fosse a original que também sempre quis - sem sucesso- ser, se haveria solidariedade para mim.
Acho que não. E hoje, que meu cabelo vermelho encobre os brancos ( pelo menos nisso posso variar...)descubro que quero é solidariedade. Quero muitos iguais. E que esses muitos consigam me amar por me sentirem assim, tão irremediávelmente igual a tantos...

bjs

Bípede Falante disse...

Aero, a gente não consegue escapar de ser a própria lavoura, não tem como, mesmo que a nossa se pareça com a do vizinho. Parece mas não é. E você é única na sua escrita.
bjs.

LÍVIA NATÁLIA disse...

Nada novo sob o sol. MAS se calamos, minha cara, nem ele será capaz de brilhar.

Lidi disse...

Você diz: "tudo que escrevo muitos já escreveram". Sim, os assuntos são os mesmos, sempre. No entanto, a forma que você escreve é única. Bjs

Maria Judith. disse...

Pela primeira vez não concordo com você. Nào lhe vejo comum em nada. Nem cópia, já que não conheço sua mamis.
De mim, dizem que sou a cópia mal feita da minha... hehe

aeronauta disse...

Oi, pessoal, em tempos de baixa nos blogs, em tempos de meu pouco escrevinhar, agradeço imensamente todos os comentários, todas as leituras de vocês. Grande abraço.

Nilson disse...

Original, sim, e a propósito de falar de falta de originalidade. Só você! E acabo de ler o que não li esse tempo todo de exílio dos blogs, todos os posts. Bom fazer isso: navegar por essas águas que, remetendo a tanta coisa, permanecem assim, próprias, particulares... originais!