
"Puseram-me uma tampa -
Todo o céu.
Puseram-me uma tampa.
(....................)"
(Álvaro de Campos)
Dia desses acordei no meio da noite na mais terrível escuridão. Senti-me tampada, como no poema acima. Entrei em desespero e gritei para mim: "e se morri?" "meu Deus, e se morri?" Saltei da cama num pulo, e de repente me lembrei de que talvez eu estivesse no meu quarto, e me lembrei de buscar acender a luz. Suava, suava. Só me acalmei ao conseguir encontrar o interruptor e me perceber no claro. Aliviada, murmurei: "então não foi ainda a hora, não morri". Deve ser assim morrer? Deve ser como acordar dentro de um lugar escuro, sem saída? Deve ser como despertar debaixo da terra?" Álvaro de Campos sentencia, sabiamente, num outro poema: "Nosso medo da morte é o de sermos enterrados vivos."
Ele está certo. O medo da morte é o medo de se continuar vivo dentro da morte. E daí é que provém o entalamento, a tampa, a sensação cruel de acordar com uma tampa; ser tampado; sentir-se encurralado no escuro, sem qualquer saída.
Abraça-me, meu filho, somos dois entes visíveis, e nos perdemos um do outro. Abraça-me, acolha-me nas entranhas onde te perdeste de mim, dê-me um lugar tranquilo, iluminado, um parque, para que eu possa livrar-me desse peso excessivo de vida sentenciada, dessa condição de viva que um dia, inexoravelmente, morrerá.