De retrato familiar
tínhamos dois na parede da sala. Um de pai, de gravata e paletó, pintado à mão
- e que mãe implicou tanto que acabou tirando da parede e dando para uma
parente - e outro, de nós quatro, de cara apenas, um sobre o outro, em preto e
branco: eu embaixo da cara de mãe, e minha irmã embaixo da cara de pai. Um
retrato engraçado, enorme, tipo poster. Mãe com os cabelos encaracolados,
sedosos, um olhar caído. Pai de paletó e olhar compenetrado. Eu, horrorosa,
sabendo de minha feiúra e por isso entristecida. Minha irmã com a cara mais
limpa do mundo, cabelo lustrando, com boca de riso, porque foi uma dificuldade
para ela obedecer ao retratista: não rir naquela hora tão séria, tão solene.
Imagem: só para imaginar como era nosso retrato: uma cara em cima da outra. In: www.google.com.br
10 comentários:
Isso me fez lembrar de um tal de Nego Tó, um desses retratistas que apareciam nas cidades do interior e lá firmavam morada.
Nego Tó era um autêntico meliante, no sentido mais literal da palavra. Acontece que ele caiu nas graças da sempre carente sociedade andaraiense, e fez amigos e clientes (ou vítimas).
Não sei por qual via meu pai passou a ser um dos seus infelizes credores. Desiludido, creio eu, e talvez no afã de amenizar o seu prejuízo, resolveu meu pai contratar o referido retratista para a confecção de um álbum de família. Afinal, seria essa a única maneira de ver-se ressarcido pelo menos de uma parte da dívida contraída pelo Nego Tó.
Foi um alvoroço o dia dos preparativos para as fotografias. Naquela época foi um tal de fazer nero nos cabelos, vestir calça boca de sino, sapato motoca, relógio orient com mostrador azul e mais e mais detalhes que o tempo incumbiu-se de apagar da memória, como sempre faz o tempo. Tiradas as fotografias, ficamos todos na expectativa da chegada do tão almejado álbum de família. Afinal, dada a pobreza do lugarejo, eram pouquíssimas as famílias que dispunham de um álbum. Aquilo era sinônimo de status, poder e objeto de admiração e orgulho. Muito orgulho!
Chegou o álbum! Minha mãe, firme e compenetrada, lembro-me bem, em pé na porta da cozinha, começou a desembrulhar o pacote. Nós, sua vasta prole, ansiedade à flor da pele, sentados à mesa, nem pestanejávamos. Eis que surge do semblante de nossa mãe um ar de total decepção, seguido de um comentário: -"mas que palhaçada é essa, gente?!" E nos mostrou a primeira foto, onde nosso pai que era negro legítimo, aparecia, pra nossa surpresa, revolta e decepção, de cabelos lisos, partidos do lado, usando óculos esportivos e sem seu tradicionalíssimo bigode. Os demais membros da família foram igualmente descaracterizados pelo retratista picareta.
Minha mãe não teve outra alternativa senão a de enfiar o pacote no fogão a lenha e sair provocando: -"aquele nego me paga; ele vai se ver é comigo agora; é porque Carlos é besta".
E até hoje eu não sei o desfecho dessa história.Rs
Abraços,
Anônimo I
E ficam para sempre na memória nossas histórias vividas ou sentidas...
Beijos,
Flagrantes familiares o tempo transforma em terna poesia.
Anônimo I, me acabei de rir com sua história. Imaginei tudinho!
Tânia e Herculano, grata pela visita.
uma menina vigorosa como você não pode nunca ter sido feia!
beijoss
Só para dizer que que estive aqui por incontáveis momentos e que foi agradável pra min ha alma e mu coração.Tanta beleza colhi por aqui e por hora me cabe agradecer pela magia da palavra que encontro sempre que venho te visitar.
Obrigada Marcia; que bom saber que tenho uma leitora que consegue colher beleza nesses rabiscos. Grata, muito grata. Fui lá no seu blogue e deixei um bilhete. Abraços.
Bípede, fui feiosa sim; é verdade e dou fé. Rs Bjos
Hoje me deu uma saudade danada de você aeronauta, resolvi matar minhas saudades lendo seus textos, li vários, sua escrita é uma terapia assim como eram suas aulas. Que aulas!
Saudade de você também, Herica. Bom tê-la por aqui!!!! Bjos
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