Lembro que meu corpo
congelava, congelava, e eu tremia, tremia muito. Eu sentia dentro de mim a
certeza da morte. E o maior medo do mundo, eu me pelava de medo. Sentia que era
chegada a minha vez, era a hora de "descobrir", como disse um personagem
de Mastroianni num filme de Zurlini. Partilhar a experiência da morte? Como?
Com que linguagem? Impossível. Isso especulava Borges, enquanto que na minha
infância mãe respondia me contando aquela história das duas comadres que
combinaram contar como é lá quando uma delas morrer. Uma morre primeiro e vem
contar como é lá; mas apenas diz: "Lá é lá, cá é cá". Portanto, mãe
antecedeu Borges nas minhas leituras, ao me relatar esse causo: não há como
partilhar essa experiência, pois ainda não morremos; e mesmo morrendo,
acredito, também não contaremos, faremos como a comadre da história. Não há
como partilhar o incognoscível. Eu sabia disso na cama daquele hospital,
tremendo igual a uma vara verde, e congelando, congelando por dentro. Mãe perto de mim, forte, séria,
pegando em minha mão, perguntava ao médico por que eu tremia, por que meu corpo
estava todo frio. Mas o médico era longínquo e não respondeu nada. "Mas o
que é que eu tenho?" Eu perguntava, nervosa e chorando... "Eu estou
congelando por dentro, eu vou morrer". Enquanto isso, o médico escrevia
numa receita azul, friamente, como geladeira ligada no máximo. Eu disse,
chorando, de novo que estava morrendo, fiz um testamento oral para mãe, e o
médico mandou me botarem no balão de oxigênio. Pensei "é o fim
mesmo", pois toda vez que alguém em Andaraí vai para o balão de oxigênio é
difícil voltar. Esperei a Passagem, mas pedi ajuda a muitos espíritos, pedi
para adiarem o dia, a data, o momento. Passei três horas nesse transe de ir ou
não ir, viver ou morrer. Mãe firme, segurando minha mão, rezando para seus
santos que nunca lhe faltaram: São Cosme e São Damião.
Não sei porque estou relatando, em detalhes, isso aqui. Talvez por conta de uma sensação imensa de solidão; essa solidão de saber-se vivo, sempre temporariamente, sempre temporariamente.
Não sei porque estou relatando, em detalhes, isso aqui. Talvez por conta de uma sensação imensa de solidão; essa solidão de saber-se vivo, sempre temporariamente, sempre temporariamente.
4 comentários:
Nossa! Congelei lendo. Lindo e terrível. Bjs
a vida é isso mesmo: o temporário que a gente pensa querer eterno. Mas que lá no fundo, sabe que não quer. Ninguém aguenta o eterno.
Bom perceber Ângela, que nesse momento de angústia, de achar que o fim está próximo, ali, batendo a nossa porta...um imenso desejo de viver te tomou, intensa e fervorosamente. Isso é amor à vida. Abraço, querida!
Abraços, queridas M., Maray e Sandra, pela força amiga.
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