Foi Clarice Lispector quem distinguiu as duas idades: a da matéria e a da alma. Eis em "Aniversário" (In: "Para não esquecer"): "... eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. E o cara tinha morrido com setenta anos de corpo."
Ontem eu fiz dez anos de alma, Clarice. Dez anos, tão pouco, para quem tem trinta e nove... O que eu fiz nos vinte e nove anos anteriores, sem alma? Fiz muitas coisas; por exemplo, li você pela primeira vez aos quinze. Mas, mesmo assim, minha alma ainda não tinha nascido. Lendo você, minha alma, imersa, palpitava, eu não entendia direito o que seu texto dizia, mas eu sentia todas aquelas coisas enigmáticas, todas aqueles sortilégios que me tiravam do mundo, me levavam para o ar, e que estavam nas entrelinhas do famoso não-dito que você tanto perseguiu...
Mesmo com tudo isso, até os vinte e nove anos eu só tinha nascido na matéria. Na alma, nem um pouco. Apesar de sofrer todos os arrebatamentos que só a alma consegue sofrer, apesar de desde os doze escrever poesia, apesar de...
... Só aos vinte e nove minha alma nasceu. Eu já era uma pré-balzaquiana, e com a alma por nascer... Enfim, ela nasceu. No dia 10 de julho de 1997, exatamente às 18 horas. Nesse dia eu toquei o invisível.
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2 comentários:
Parabéns a vc! Pior fui eu... que achei ser Macabéa encarnada. Já pensou?
Putz!...Impressionantemente belo. (Carlos Barbosa)
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