Desde cedo descobri que o meu grande amor, para a vida toda, seria mesmo a literatura. Nas férias, deitada no sofá de lá de casa - um sofá antigo, desses que não existem mais - eu passava o dia lendo, ninguém me importunava. Pai passava quando vinha da rua, mãe quando varria a sala, minha irmã quando vinha da casa das amigas, e eu lá, no mesmo lugar, lendo, sendo feliz. Ninguém me tirava daquele mundo... Minha família sempre entendeu isso muito bem. Acho que sentiam orgulho. Pai, que sempre foi leitor fervoroso de Jorge Amado, e lia jornal todas as noites, sentia-se orgulhoso por ver que tinha filhas que gostavam de ler, e uma que chegava a lhe preocupar, pois lia demais da conta: eu. Ele perguntava a mãe, "e essa menina não sai não, não brinca com suas amigas, não passeia"? Mãe não entendia muito bem aquele negócio meu com os livros, mas achava melhor assim: melhor dentro de casa que aprontando na rua. E dessa maneira iam passando os dias. Descobri que, mesmo morando numa cidade sem biblioteca nem livraria, poderia ler. As famílias vizinhas, e pai também, compravam coleções de grandes autores através dos vendedores de livros que apareciam na cidade de tempos em tempos. Eram coleções encadernadas, bonitas. Lembro que as que pai comprou foram as de Jorge Amado, Aluísio Azevedo e Machado de Assis. E uma vizinha comprou José Mauro de Vasconcelos e José Lins do Rego. Li as coleções de casa e depois fui às coleções da casa vizinha: não podia perder tempo... Como chorei e como reli Meu pé de Laranja Lima... A fala terna e dolorosa do personagem principal: "...e eu, Godóia?" até hoje soa no meu coração, doendo...
Sei que a minha compreensão do mundo, o meu sentimento do mundo, como diria Drummond, vieram de lá: dos primeiros livros lidos. E também da bela compreensão de minha família por essa união que a infância selou para toda a vida: meu casamento, com total comunhão de bens, com a literatura.
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3 comentários:
Espero que um dia você ponha seus textos em livro. São memórias deliciosas! E que grandes autores você leu! Sim, porque na França "Meu pé de laranja lima" é alta literatura; por aqui, consideram lixo. Abraço, O.
Obrigada, O., pelo incentivo e pelos elogios. Abraços.
Eu ainda quero encontrar um amor, casar, ter filhos... pois com a literatura já tenho algum tempo de casada. (rs) Beijos.
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