Francis Ponge bem estava certo quando proferiu: "Não se sai da árvore com meios de árvore" (In: "O partido das coisas"). Claro, só podemos "sair" da árvore pela linguagem; ou seja, só podemos saber da árvore nomeando-a, definindo-a pela linguagem humana, pelo ponto de vista humano...
G.H., personagem de Clarice Lispector (In: "A paixão segundo G.H."), descobriu, ao comer a massa branca da barata:"... a vida é dividida em qualidades e espécies, e a lei é que a barata só será amada e comida por outra barata", "pois a lei é que eu viva com a matéria de uma pessoa e não de uma barata". Então não havia despojamento naquele ato: uma mulher, comendo a massa branca de uma barata a fim de transcender sei lá o quê... Não há como. Assim é que G.H. descobre que ela não era santa, e ao comer a massa branca da digníssima "ortópero onívoro" (como define o "Aurélio"), estava mesmo era "querendo o acréscimo". Enfim, cada qual com sua espécie e suas limitações, e suas vontades de bem-aventuranças...
Todo esse preâmbulo é consequência de elucubrações "existencialistas" que tive hoje pela manhã na "sala de terapia". Eureca! Descobrimos o fio da meada...
Se um ser humano é um abismo, o outro ao seu lado também é. Se um vivente (como diz minha avó) é nojento, o outro também é. Se sua amiga muitas vezes lhe chateia, você também muitas vezes chateia a sua amiga, mesmo achando que não, mesmo que involuntariamente. Concluindo, em termos rasteiros: todo mundo é da mesma laia, não tem jeito! Não dá para presentear sem pensar na cara de felicidade de quem receberá o presente - e que será a nossa parca gratificação. Nosso ego precisa ser amaciado, dengado, mal-educado que é. Isso porque somos da espécie humana. Posso sair dela?
Impossível.
Então, como não sofrer com o inferno que é o outro?
Talvez enxergando o próprio inferno que eu sou.(Resposta auto-ajuda, assumo.)
Eu sou mimada, peço amor a todo mundo, quero que todo mundo goste de mim, quero que todo mundo me admire, me elogie, quero que todo mundo me ame!!! Quando isso não acontece, adoeço. Adoeço pela falta de amor, não durmo direito, e choro choro choro... Não o dia todo, pontualmente, como na infância, mas choro. E é um choro sentido, convulsivo, vitimada que fui pelo desamor.
Como consertar esse estrago?
- Não querendo ser amada? Mentira, quero ser amada.
- Dando presente e esperando a reação de gratificação do outro, do amor do outro? Sim. O que posso fazer se não consigo ser santa, sair do acréscimo, sair da matéria grossa e rude de que fui feita? Como sair da limitada espécie da qual sou uma fiel representante?
Italo Calvino, ao elencar valores que só a literatura poderá nos legar nesse milênio (In: "Seis propostas para o próximo milênio"), nos diz da leveza. Aliás, é a "Leveza" a primeira proposta. E entre tantos trechos belíssimos que poderia citar aqui, fico com duas passagens. Diz ele: "A leveza para mim está associada à precisão e à determinação, nunca ao que é vago ou aleatório", e lembra Paul Valéry: "É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma". A outra passagem é quando é conjecturado retirar o peso da tristeza chamando-a de melancolia - a "gravidade sem peso": uma certa "relação particular entre melancolia e humor"... Explana a seguir:
"(...) Assim como a melancolia é a tristeza que se tornou leve, o humor é o cômico que perdeu peso corpóreo (...) e põe em dúvida o eu e o mundo, com toda a rede de relações que a constituem."
Pronto, Calvino disse tudo que eu queria dizer e que o psicólogo sugeriu, ao tentar reconsiderar a minha declaração de não conseguir sair da limitação da espécie, da condição do peso. Ele falou, fechando a sessão: "sim, não é possível, mas comece a ver tudo isso com mais leveza..."
A leveza é o 'humour', uma certa compreensão engraçada sobre o outro, sobre o mundo, e que não significa sair por aí fazendo piadinhas, mas contemplar a existência como um grande "como se", e rir de você mesmo, tentar trafegar pela vida como um pássaro, e não como uma pluma, como ensinou Valéry. (A rima final faz parte dos rituais de bons fechamentos que finalizam, nos ínterins das "representações", o "como se": encerrando as cortinas, fechando o livro, indo para outro blogue, desligando o computador...)
... E se eu continuo querendo gratificação? Claro, um comentário depois de ser lido é sempre bom, mas só se vocês gostarem do texto... E se não gostarem também, pois preciso pôr em prática essas elucubrações todas.
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7 comentários:
Eu adorei seu texto. Ele é profundamente filosófico. Mas não me considero da mesma laia de algumas pessoas que surgem no meu caminho, apesar de ser matéria idêntica, mesma espécie. Tomei a decisão de ser senhora de minha vida, de me educar para não machucar o outro. E acho que, no final, é isso que conta, que faz toda a diferença. Amo seu blog, ele é uma das minhas leituras favoritas.
Beijos,
Renata
Obrigada, Renata, pelo comentário. Também, desde menina, faço tudo para não magoar os outros, e acabo chorando. Sei que vou continuar desejando não magoar os outros, só não quero continuar chorando quando me magoam. É esta a divisa.
Também adoro seu blog, e digo também que ele é umas das minhas leituras favoritas. Grande abraço.
Ah, Nauta, depois de tudo eu me pergunto: por que a gente tem que se esforçar tanto por uma vida que não nos dá garantias, é teimosa, faz tudo do jeito que ela quer e ainda nos leva embora no melhor da brincadeira? Qual o sentido de seguir com mais leveza? Qual é sentido de estar aqui agora? Ai, tô enlouquecendo... vamos mudar de assunto?
Ah, e antes que vc adoeça pela falta de amor (heheheh, adorei isso), eu AMO seu blog e, mesmo sendo a preguiça em forma de gente, não vejo sacrifício algum em ler seus posts, por maiores que sejam. São sempre lindos, leves e, de um certo modo, aconchegantes. Beijocas.
De fato, Personagem, o negócio bem pensado não é brincadeira não. O melhor mesmo é mudarmos de assunto (rs).
Viu, Personagem, escrevemos os comentários no mesmo horário!
(Ah, e que bom que você gosta deste blog!)
CompRexoo! Produndo! Mas chegou aonde eu queria, leve a vida na flauta, afinal tdo fica melhor com musica!
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