quarta-feira, 7 de abril de 2010

no baile


O que me levou a escrever foi a sensação de chegar por último ou chegar primeiro. Nas duas extremidades você está sempre só. Por isso comprei minha primeira máquina de escrever: era preciso encontrar alguém com quem ficar. A máquina era como um tamborete, quando todos os lugares estavam ocupados lá estava ela me esperando. Portanto, meu tamborete me salvava do desconforto de ser vista em pé, sozinha, sempre sozinha. Sentada, só mesmo nos infinitos chás de cadeira que tomei em bailes. Neles até hoje espero o delicado cavalheiro a solicitar-me uma valsa, um tango, um passo de discoteca. Enquanto espero, ponho a minha máquina no colo e observo a festa, os cabelos, os passos indo de um lado a outro do salão. Tudo indica que há felicidade no mundo, porque senão como aquele casal conseguiria sintonia suficiente para não se estatelar no chão. Nunca me esqueço do dia em que me rebelei e saí da cadeira a buscar um cavalheiro, um par. Escolhi o mais bonito, o mais garboso, o mais cortês. Só que eu não sabia para onde ir, como me movimentar. E ele até que tentou, coitado, mas meus passos não lhe acompanhavam. Ali descobri que é mais fácil escrever. Ponho a dor para dançar...



Imagem: "Museo del baile flamenco - Sevilha", por Wilson França.
(www.flickr.com)

11 comentários:

Janaina Amado disse...

Isso é o que a literatura mais faz, não é mesmo, aero? Por a dor, que tanto expõe, a dançar. Lindo, comovente texto.

Kátia Borges disse...

Oi, queria saber de você, daquela coisa que conversamos ao telefone, se andou ou não. Vi Mônica hoje de manhã e lembrei de nossas palestras na ALB. Aí, cheguei no blog e vi sua mensagem. Como estão as coisas? Sempre passo aqui e leio em silêncio seus textos. Aos poucos, vou me reconciliando com os blogs. Um beijos

Bernardo Guimarães disse...

tem hora que fico desconsertado quando leio um texto igual a esse. queria estar no salão e lhe convidar para uma contradança. poríamos as dores de lado.

Terráqueo disse...

E você escreve divinamente. Espero ansioso pelos seus textos.

Parabéns,

Terráqueo

Flamarion Silva disse...

Oi, Aero.
Que honra te receber lá no meu bloguinho! Seus comentários são valiosos para mim, assim como sua literatura, que você faz com ela o que bem quer, até colocar a dor para dançar.
Minha mulher adora dançar; e eu não danço. Não é uma tristeza isso? Mas estamos juntos faz 26 anos.
Beijo.

Nilson disse...

E como dança, a dor! Talvez tenha resolvido escrever por isso também!

Moniz Fiappo disse...

Voce escreve demais, com dança ou sem dança.

Gerana Damulakis disse...

Excelente: "Ponho a dor para dançar".
E, como Clarice, com a máquina no colo. Essas grandes escritoras e suas relações com as máquinas de escrever...

Anônimo disse...

Você me descreveu agora. Um moleskine nas mãos no lugar da máquina de escrever. E, para conferir maior dramaticidade, o espalha-bolinho. Era eu me aproximar e a turma se dissolvia. Um dia imitaram com as mãos uma borboleta. Mandaram eu segui-la e nunca mais voltei.

Bípede Falante disse...

Grande baile você oferece com as palavras e com essa ilustração muito louca de uma dança de cadeiras voadoras. Brilhante! Amei!

Lidi disse...

Aero, você escreve bem demais! Que texto lindo, delicado, tocante. Fico sem palavras...