quinta-feira, 15 de abril de 2010
o vento, a música de fundo, o amor
Este vento não leva apenas os chapéus,
estas plumas, estas sedas:
este vento leva todos os rostos,
muito mais depressa.*
Depois de assistir "Tempos que mudam" (2004), não há como não inquirir nosso rosto mudado, nosso amor que passou, nos rostos sólidos e ao mesmo tempo danificados de Catherine Deneuve e Gérard Depardieu. Não vou resenhar o filme, vou apenas pensar, rapidamente, no amor e no vento.
Não, não podemos segurar o nosso rosto:
as mãos encontram o ar,
a sucessão das datas,
a sombra das fugas, impalpável.*
Se a memória é a fé em diferença, o que é o amor? Não há ninguém que responda, talvez somente o tempo - que constrói linhas interrogativas entre nossas sobrancelhas; e faz um vinco perto da boca, e outros ao redor dos olhos. O tempo dá uma resposta muitas vezes amarga: sarcástico, faz do grande amor a rotina incestuosa e anti-lírica de irmãos. O tempo também promete ficção: escreve um pacto de mentira com o sonho e lhe permite, lívido, esperar.
Conta as tuas histórias de amor
como quem estivesse gravando,
vagaroso, um fiel diamante.
E tudo fosse eterno e imóvel.*
Impossível falar de amor, portanto, sem uma música de fundo. A música que celebra o sonho, a invenção, a esperança contínua. Como a literatura, o amor atravessa o tempo à escuta, sempre à escuta. E ouve os diálogos errôneos, enganos sob enganos, edificando dunas que o vento espalha.
*Trechos do poema "Rua dos rostos perdidos", de Cecília Meireles.
Imagem: www.videomais.com.br
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4 comentários:
O tempo também é capaz de recolher atitudes e palavras ao vento e as juntar com delicadeza nas mãos de alguns antigos amantes.
E decerto há ao menos uma música de fundo para cada amor! ou cada fase do amor.
Grande Cecília. Bjo.
Lindo. Teu texto, os trechos de Cecilia Meirelles, e o comentário de Janaina Amado. Nas últimas semanas assisti dois filmes com a Catherine Deneuve, que com seu rosto redesenhado pelo tempo, interpreta cada vez melhor.
Ah o tempo, esse senhor implacável, que nos leva amores, viço, amizades, mas também ameniza dores e perdas. Cecília genial.
Catherine, linda, grande atriz, e ainda bela na maturidade.
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