
O frio gélido, que acompanha o condenado pelo imenso corredor - há sempre um corredor -, todos nós sentimos nos ossos. Se você pensa que nunca sentiu, pare apenas um pouco e se instale na sua própria câmara de gás. Lá você terá duas grandes verdades estampadas na testa: você não sabe nada sobre seu próprio nascimento assim como também nada saberá sobre sua morte, já a caminho. Tudo o que você é, a ficção que você escolheu criar, pertence aos outros, à memória alheia. Sobre o momento que você nasceu, apenas sua mãe e os que estavam presentes "disseram"; de sua morte que vem aí, já já, apenas os possíveis espectadores farão o posterior relato. O que resta pensar? Se você não tem a memória dos dois grandes marcos de sua própria existência, a pergunta é insistente: não é uma imensa solidão essa, existir? E para sentir a solidão gélida nos ossos será necessário você andar pelo imenso corredor antes do fuzilamento que ocorrerá no pátio externo?
Ora, ora, você sequer existe, e a solidão é tudo que há. Sinta-a agora, antes de ir atravessar o imenso corredor que lhe espera. Não se agarre ao braço de seu namorado, afinal ele não poderá atravessar o corredor com você. Ele também, na sua hora, atravessará o corredor. Sozinho. É assim que a lei maior, a burocracia, manda: sozinho, marchando sempre, sem se deter.
Posso soltar um riso? É engraçada essa tragédia. Engraçada porque pensando bem será meu corpo, sinal de minha indiscutível realidade, quem sofrerá tudo isso. Ele foi quase esmagado ao nascer, e será completamente esmagado ao morrer. E, ironicamente, jamais saberá contar tais experiências. Deve ser essa a frustração máxima do homem, e mais ainda do escritor: não ter nunca a totalidade, a unidade de si mesmo. Em decorrência dessa frustração ele inventa vidas, principalmente a sua, que traz como palimpsesto na raiz de suas mãos tortas, a fim de tentar driblar a solidão.
Solidão. Afinal é sobre isso que estou falando.
Se ela é tão peculiar a cada ser, como compartilhá-la?
Não, não fale. Abraça-me.
Dê-me a ilusão de que ela não existe. Invente salões de dança, filmes em preto e branco, bailes, bailes, vinhos, embriaguez de corpos se encontrando. Dê-me o sonho, tua mão na minha, voz sussurrando versos. E sorriremos, enfim, absolutamente confiantes, mesmo sabendo de tudo.
Imagem: "Dance", por Andreu Robusté.
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