terça-feira, 28 de dezembro de 2010
canção para fechar a década
E vou terminando esse ano de maneira lírica. Enfrentei antes do Natal a doença que me escolheu: ela veio, e, por não conseguir mais confrontá-la, a abracei. Ficamos juntas, ela me beliscando por dentro, ela pinçando alfinetes na minha cabeça, ela brincando de madrasta de branca de neve, de amiga de infância, maldita e sardenta. Às vezes, num sadismo infantil, suspendia a brincadeira, eu tinha um alívio, depois ela voltava, sarcástica, com um ferro quente na mão. Ela queria porque queria me marcar a ferro com seu nome, batismo fatal. Fugi, me escondi debaixo da cama, e me sujei de poeira, nunca se limpa direito essa parte da casa, e a poeira tomou-me e ela me puxou pelo braço e vi que o ferro em brasa tinha se apagado. Depois ela me envolveu com aquela coberta de retalhos tão pequena de quando eu tinha seis anos, a coberta apenas cobriu minhas pernas, e eu me senti mergulhar na praça mais deserta do mundo.
O que muda, sussurra calado meu coração, é a folhinha, o calendário que jogo fora. Enterro 2010 com a ponta dos dedos, na areia mais densa do rio Paraguaçu. Enterro-o e depois me ajoelho, fazendo uma oração. Merecia tanto? Cada pedaço de ouro colhido jogo na água escura, gelada, água de minha infância, belamente escura como são as noites sem luz, sem poste de iluminação, sem lamparina. Mergulho nessa água deserta, fria, molho a cabeça e os alfinetes vão caindo, um por um, na correnteza silenciosa.
O que vale, de fato? Não sei. Sei que gosto demais de um abraço, um abraço inteiro, sem recalques. Gosto de encostar minha cabeça no seu peito, assim como fazia com meu travesseiro, quando criança. E de um beijo estalado no rosto, molhado, nunca nunca aquele beijo simulado que nem os lábios encostam na face. E deste silêncio gosto mais ainda, silêncio de quem convalesce, e nada sabe das festas, nada, nada; apenas adormece, calma e desaparecida.
Imagem:"Janela bailando". In: www.google.com.br
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5 comentários:
Ângela, que belo texto.
Um beijo. Estalado no rosto.
Estou com muitas saudades de você, titia. Feliz ano novo!!!
Oi, Marta, obrigada. Outro beijo, também estalado no rosto.
Pequerrucho: estou com muitas saudades de você. Felicidades, querido!
Adeus, ano novo!
O que vale de fato? Quem sabe?! Estar vivo. Mesmo com todos os pregos na carne.
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