quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
conversa de comadres
Minha irmã, inconformada com as malvadezas que o tempo fez na minha cara, marcou um dermatologista pra mim. Eu não queria ir, já me conformei com todas as malvadezas, e sou pacífica com relação ao tempo, apesar de achar tudo muito dramático. Ela fez questão de me levar de carro, numa manhã de segunda, sete e meia. Só muito amor a uma irmã, destinada mais dos que os outros ao envelhecimento, para fazer tamanho sacrifício, acordando cedo e enfrentando engarrafamento. Ela exibia um rosto maravilhoso: macio e sem manchas, sem espinhas e sem cravos: ali estava a propaganda do médico, O Milagroso. Você vai ver, você vai ver, e a gente não pode entregar os pontos, você precisa dar um jeito nesse rosto, dizia ela, enquanto estacionava o carro, já em frente ao consultório médico. Entramos, ela sempre à frente, me levando pelo elevador. Chegando, encaminhou-me à secretária. Olhei para cada rosto que estava sentado na sala de espera. Uns jovens, outros nem tanto, mas todos em busca da tão fácil esperança. Eu não tinha esperança alguma, e estava ali apenas para agradar à minha irmã. Ora, se não usei filtro solar aos vinte anos, eu queria mais o quê? Ora, se em todas as épocas eu enfrentei o solzão da estrada, para trabalhar, sem nenhuma proteção, eu queria mais o quê? Deus seja louvado. Ela entrou primeiro, iria ser atendida, o médico estava empolgadíssimo com o resultado das fórmulas que lhe medicou: rosto de bebê. Ela lá dentro adiantou a minha chegada para ele. Entrei. O médico, muito educado e gentil, me saudou com a mão, sentou-se e começou a rabiscar no papel. Sem olhar para mim me perguntou: e aí, dona Ângela? Eu disse logo a verdade, sem maiores pudores: envelheci, doutor. E ele: vamos ver esse rosto. Me levou para uma sala à parte, e constatou o que eu disse, acrescentando apenas que havia muitas manchas no meu rosto. Sério, profissional, gentil, disse que ainda tinha jeito. O homem vive também de esperanças, pensei. Prescreveu inúmeras fórmulas, saí e minha irmã me levou à farmácia. Desembolsei um dinheiro enorme, que daria para comprar vários livros e filmes. Senti remorso, mas sempre me inquietei com a esperança alheia: é bom dar crédito a ela. O pior é ter que usar todos aqueles cremes, com disciplina, coisa que nunca tive. Usei ontem e hoje amanheci com a cara grossa, vermelha e triste. Minha irmã me pediu o prazo de quinze dias. Com quinze dias minha pele vai virar outra. Oh, como minha irmã é doce, humana, demasiadamente humana.
Imagem: ato de envelhecer. In: www.google.com.br
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Lindo! Bjs.
Ai amiga, me desculpe, mas ri muito com essa história. Pequei o telefone e te liguei (12h12 daqui), mas você deve estar com uma máscara de creme e não está achando o telefone para atender...rs
E ainda citou Nietzsche! Impagável.
Depois te passo uma simpatia para o amor, já que, pelo visto, você tá aceitando tudo que é esperança alheia...rs
maisa está certa; um trato na pele vai ajudar quem já é linda por natureza!
M.: Obrigada pela visita.
Chorik: na hora em que você ligou tive que sair, peguei sol e a cara ficou mais vermelha e grossa. É pra rir mesmo. Eu me acabo de rir com essa situação.
Bernardo: minha irmã é sábia. E obrigada pelo elogio.
Pois é, Ângela Vilma, nem só de livros vive uma mulher. Precisamos cuidar do corpo e da alma. Por que deixar o tempo nos vencer sem nenhuma resistência?. NEVER! Comigo ele não vai achar nada de mão beijada. E com os seus futuros resultados, tenho certeza, que vou conseguir mais uma aliada contra esse poderoso Senhor. Faça tudo direitinho, estou de olho. Boa sorte.
ter delicadezas e carinho com irmãos também faz muito bem pra pele, tenho certeza!
Postar um comentário