domingo, 6 de fevereiro de 2011

o punhal


Talvez um dia não seja preciso, finalmente, dizer qualquer coisa. Aí tudo será somente silêncio. Livros fechados, bocas mudas, mundo sem sinais. Para que dizer? O mundo morre de tanto falatório. Há muitas placas, direcionamentos, letreiros, mas ninguém consegue atinar para nada: não há sentido, e todos, sem saber, caem no chão. Há um atoleiro de gente no mundo, todos atolados, sem se darem conta. Ô mundo besta, que fazes nesse dia de domingo? Exibes um sol forte, arrogante, uma vida estúpida, uma felicidade cara e barata, um tapa na cara, um punhal no peito. É esse o inventário que me concedes, e o que vou deixar, na casa vazia. Um punhal no peito. Tenho que herdar mesmo essa imagem clichê, brega, atordoante, derramadamente melosa: a peste desse punhal no peito, pois que outra mais verdadeira e cruel jamais encontrarão para salvar a estética da dor. Venha, gente, dê-me uma imagem diferente dessa, mas que possa ser forte o suficiente para nela concentrar toda a impotência do corpo. E que seja uma imagem nova, capaz de renovar também a morte por ela causada, a morte que virá somente no dia em que o punhal envelhecer lá dentro como envelhecem todas as coisas do mundo. Porém, ninguém na verdade sabe o que é morte. O que é morte, você sabe? Me conte então. Vou continuar a viver depois de tombar morta no chão? Meu espírito sairá flanando como uma besta? Quero uma resposta precisa, sem senão, sem metáfora, sem doutrinação. Quero saber a verdade. Quero saber a verdade, meu Deus, e me libertar para sempre desse punhal, imagem desgastada e sangrenta.

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