terça-feira, 12 de julho de 2011

conversa de divã


Tenho esse nariz brabo que boi pisou, um nariz esparrachado, numa cara que já foi redonda, hoje está mais pra retangular. Não gosto muito de me olhar no espelho, eis a grande verdade; nunca fui desse negócio de me amar em primeiro lugar por que senão os outros não me amarão, conversa fiada isso, chega de besteira, meu Deus, acho que nunca me amei de fato, me tolero, que se danem os psicanalistas de plantão. E se os outros me amam? Acredito que alguns me amam um pouco, algum têm um pouco de simpatia por essa minha pessoa esquiva, tímida. Afinal, quem não é um pouco admirado nesse mundo idiota? Talvez quem sabe (eta esperançazinha maldita) admiram tudo isso que abomino em mim. Como por exemplo, uns quadris meio engraçados, herdados de mãe. Minha irmã também tem esses quadris, herança burlesca, cômica. A natureza é uma poeta satírica, Gregório de Matos perde para ela. A natureza é uma artista desgramada: pinta e borda com os seres - primeiro na juventude e depois na velhice, desenhando caricaturas tenebrosas onde antes foi gente até distinta. Na verdade tudo é uma porcaria só; um absurdo, fora algumas alegriazinhas tão rápidas, meu Deus, tão rápidas, parecidas com aquela fumacinha de nuvem que o avião a jato deixa no céu. Quando criança acreditava que o mundo acabaria num eclipse, que o mundo acabaria primeiro no céu. Qualquer zoadinha de avião pra mim já era prenúncio de mundo acabando; saía na porta queimando pestana, olhando para o céu e esperando o estrondo. Nunca veio o estrondo, talvez nunca virá, é essa a condenação desse mundo; desse e daqueles que a gente traz por dentro.

Um comentário:

Sandra disse...

A "cara" se parece com a minha. Se você acredita que "muitos" não te amam, fica difícil acreditar que alguém já me amou ou me ama...rs. E quantos mundos existem guardados dentro de nós?! O seu "conversa de divã" me trouxe um pouco da identidade que certamente nenhuma conversa no divã me traria...rs. Belíssimo escrito. Parabéns.