sexta-feira, 8 de julho de 2011

São João no Capão


Há muita bestagem nesse mundo, e uma delas foi a minha resolução de passar o São João no Capão. Rima caricata essa, assim como se tornou tal vilazinha, invadida por seres extraterrestres. Havia exatos dezenove anos de minha última ida àquele lugar, e de lá eu trazia uma lembrança neblinada, de névoa caindo na serra numa manhã de junho. Ora, uma imagem dessa não sai com facilidade de nossa cabeça. E nem sei por que esperei tanto tempo para lá voltar. Mas voltei. E no São João. O susto foi grande demais. Primeiro porque logo na entrada da vila peguei um engarrafamento parecidíssimo com o que gente só pega no Bonocô às dezoito horas. Segundo porque ao finalmente livrar-me do engarrafamento e botar os pés no chão, o que vi não tinha a menor graça. Vi muita gente parecida, aliás, iguaizinhas; todas cabeludas, com barbas enormes e rouponas longas. Todas vendendo produtos "hippies", comidas pitorescas, chapéus de crochê, anéis, pulseiras, objetos de decoração (claro, de casa "hippie"), e comida, muita comida, inclusive vendiam fatias de pizza na calçada. Ali na verdade era um shopping center a céu aberto; e caríssimo. Outra coisa: o que antes era antiga casa de morador se tornou loja. Lojas com plaquinhas de madeira na porta pra enganarem turista tirado a cult. Sem contar os trilhões de pousadas, também tiradas a cult, espalhadas por ali. O que não consegui mais ver, incrível, foi nativo. Será que todos os nativos foram expulsos? O Capão virou o Pelourinho, gente. Casinhas pintadas por fora e bugigangas "artesanais" por dentro. Mas o mais engraçado são os extraterrestres. Todos vindo de um pseudo woodstock. Hippies sofisticados, limpos e cheirosos. Cada cabelo dando na bunda, mulheres com saionas coloridas, homens com batas espalhafatosas, além de dredes bem comportados nos cabelos. E carro, muito carro. É, de turistas chegando, querendo passar o São João no Capão. Carros de luxo, jogando poeira na cara dos desautomobilizados, como eu, que inventaram de ir tomar banho no Riachinho, a pé. Uma caminhada longa, regada a poeira na cara de um em um minuto, pois todos os turistas tiveram a mesma ideia que eu. Quando finalmente cheguei lá - no Riachinho - depois de mais de duas horas de caminhada, aqueles automóveis que passaram por mim já lá estavam estacionados. Ao descer a ponte me choquei com um monte de gente que ia também descendo a ponte. Na cachoeira milhões de viventes brancos, loiros, passando protetor solar e estirando-se ao sol. Não havia lugar para eu me sentar: todas as pedras estavam ocupadas. Nem tive raiva dessa turistada metida a besta não, mas de mim. De mim que aos quarenta e alguns anos resolveu acampar num camping no Capão, em pleno São João. Um camping abarrotado de jovenzinho burguês e falastrão. Estava tão cheio que as barracas se colavam uma nas outras. No segundo dia de horror, arrumei minhas trouxas e zarpei.

3 comentários:

Nilson disse...

Muuuuuuito legal sua narrativa. Eu, que tenho fascínio pelo universo dos hippies, fico me perguntando o que restou daquele troço que se denominou contracultura. Vivi uma história no Capão também, muitos anos atrás, que desnudava essa distância entre o antigo ideal e a vida de hippies de carne e osso. Qualquer dia conto!

Anônimo disse...

Nunca retorne ao local outrora desbravado, sob pena de sofrer a troca da memória, quando fica a tenebrosa sensação de que fomos engolidos e cuspidos pelo tempo.
Beijo, Aero. Estava com uma saudade monstra de te ler.

Anônimo disse...

Pois é, garota...
O Capão está campado e capado de originalidade.
E assim também caminham Igatu e o Pati.
Fodam-se os nativos!
"Xô, pintassilgo! Xô, pintarroxo! Voa, coleiro! Foge, trigueiro!
O homem vem aí! O homem vem aí!"
Também fico triste. Mas é o preço.