domingo, 22 de janeiro de 2012

mobília


Registro interno de solidão:
tenho 32 cadeiras.
Receberei um dia 32 visitas?
32 pessoas um dia aqui se sentarão?
Há de diversas formas: de balanço, de varanda, de jantar. Cadeira artesanal, espreguiçadeira, banquinhos.
Há uma parecida com aquelas da sala de jantar de lá de casa: aquelas que beliscavam nossas bundas.
Se faço coleção?
Se é uma estranha mania?
Registro interno de solidão:
Tenho quatro grandes mesas.
E dois bules de café.
Tenho muitos talheres.
Uma casa enorme para ouvi-los tilintar.
Mãe comia de colher, às escondidas de pai.
E de colher me ensinou a comer.
Pai era civilizado: sabia andar em Salvador,
sabia escrever bem, lia Dona Flor,
usava roupa de casimira e paletó.
Mãe não: suas roupas eram sempre estampadas
costuradas por suas mãos
com cheiro de cebola.
Registro interno de solidão:
Tenho um guarda-roupa antigo.
Nele contém uns dez vestidos estampados.
Envelheço como mãe, e nela me misturo
aos seus traços entalhados,
às rugas mais fundas, mais velhas,
e juntas nos parecemos, engraçado,
à nossa antiga geladeira.

7 comentários:

Lidi disse...

Entendo tanto você, Aero. Bjs

M. disse...

Moça Alada, que bom que você gostou do livro. Sempre que leio um belo livro penso em você, sobretudo se o livro for de poesia, pois você é a minha amiga poetisa, tão querida, que me emociona com um poema tão belo quanto "Mobília". Em breve sentarei novamente em uma das suas lindas cadeiras. Bjs

Carlos Barbosa disse...

Aérea Persona, sei que em uma de suas cadeiras, eu não posso sentar, de tão delicada. Mas, na casa nova, toda mobília deve ter se instalado com a leveza e precisa emoção deste seu poema. Moça, seu talento é inesgotável. Que maravilha ler seus textos. Sua poesia tira a poeira de nossas fibras mais profundas. E nos empurra a voos impensados até então. Parabéns e até momentos mais calmos, abr, (carlos barbosa)

Bípede Falante disse...

Registro: na sua mobília não entra cupim, que suas emoções e suas ideias são sólidas e intensas.
beijos :)

gláucia lemos disse...

Querida Aeronauta, você faz uma poesia tão sua, tão diferente de tudo o q a gente já leu e ainda vai ler, que cada vez q concluo a leitura de mais uma fico parada pensando nela. E chego à conclusão também de que nada que se diga da sua inspiração dirá bastante. A minha impressão é de que você compõe arrancando de uma profundidade tal no seu ser, como se fossem as vísceras que se tornassem palavras. Como você é grande! Um beijo.

aeronauta disse...

Gláucia querida, obrigada! Que bom tê-la aqui, que saudades! Fico tão feliz em ouvi-la. E como generosa você é. Bjo grande.

Terráqueo disse...

Lindo, me tocou profundamente. Bjs.