domingo, 1 de janeiro de 2012

ode aos egoístas


Bem aventurados os egoístas, porque eles são os donos da terra, do mar e do ar. Eles girarão o arco-íris pendurado no próprio umbigo e não cairão. Eles possuem a asa delta presa ao corpo, adestrado sempre para sua sobrevivência. Eles colocarão fogo no mundo para aquecer-se no inverno. Eles eles eles. Nunca, jamais imaginarão de que se trata uma palavra linda, que ficou piegas por adquirir ares religiosos: "compaixão". Etimologicamente essa palavra significa "sentir com o outro". Para quê? Os egoístas, claro, não estão interessados nisso, querem apenas sentir o que lhes dizem respeito, em particular.
Creio que o egoísmo é uma doença visceral, sem cura. Todos a têm, só que muitos a alimentam em doses cruéis. O que será de nós, então, muitos nascidos no final da década de 1960, que aprendemos na escola e em casa a dividir a merenda, a dividir o brinquedo, a dividir a leitura? Conviver com as novas gerações para nós é muito difícil. O jovem egoísta inteligente dirá que pedirmos o não egoísmo dele já é uma maneira de egoísmo nossa. É a perigosa retórica que lhe habita a língua e o cérebro. Resta-nos aceitá-lo assim ou desistir, pois que essa doença em doses cruéis é intolerável.
Talvez tão malfadada doença tenha reavivado fortemente com a degradação total da família; alguns desses "conhecidos" são os filhos do divórcio, nascidos nas décadas de 1970 e 1980, que conviveram com o egoísmo exacerbado dos pais diante da separação "de bens", na qual os filhos ganhavam tudo materialmente em troca de uma possível condescendência emocional, a "aceitação" de uma família esfacelada. Muitos desses filhos do divórcio odeiam os pais; porém, acabam reproduzindo, em todos os atos, as figuras paterna e/ou materna. Em contrapartida, nunca saberão, de fato, o que significam palavras como cumplicidade, renúncia, doação. Eles, os egoístas, geralmente adoram essas palavras, mas quando estão diretamente ligadas a eles: quando somos seus cúmplices, quando renunciamos nossas vontades em prol das vontades deles e quando doamos tudo o que temos e o que não temos para o seu bem estar.
Se eu tivesse parido um filho na década de 1980, mais particularmente em 1987, aos vinte anos, hoje estaria com um troglodita desse dentro de casa. Filho do divórcio, da separação, do aniquilamento, esse menino se acharia Nero. Consequentemente me mataria; mas (pior) me mataria de maneira metafórica, arrebatando todo o amor intenso que tenho dentro de mim até a última gota, deixando-me árida como um cacto.


*A imagem acima, retirado do google, bem representa os indíviduos aclamados nesse texto: geralmente são joviais, aparentemente indefesos, encantadores.

4 comentários:

maray disse...

nem tanto ao céu, nem tanto a terra...sou filha de um casamento que durou enquanto meus pais duraram. Tenho tristezas que lembro até hoje de brigas, de rancores, de saidas e voltas pra casa...e conheço filhos do divórcio ótimos! O ser humano tem generalidades, é verdade, mas tem também especificidades e a gente consegue explicá-las pouco. Ainda bem!
Mas concordo que a meninada está muito mal acostumada com o "ter". Virou sinônimo de sentir. Aonde isso vai levar não sei.
Mas vamos ter esperanças e lutar.

Se não, pra que viver?

beijão e um ano lindo.

aeronauta disse...

Claro, Maray, ainda bem que nada no mundo é regra absoluta. Conheço egoístas supremos provenientes de minha geração.
Um ano lindo pra você também. Bjos

Sandra disse...

Maray,
a sua relação do "ter" como sinônimo de "sentir", foi preciosa. Realmente, percebo que, muitos educadores como eu venho tentando ser, sofrem por presenciar o destroçamento familiar que vem e continua acontecendo em nosso país. Os frutos de um divórcio, de uma criação solitária (apenas pela mãe), de uma criação por avós, por tios, pelos prórpios irmãos, estão crescendo e participando ativamente da construção social de nosso país. Eu acredito que devemos, cada um de nós, enquanto componentes dessa sociedade que quer queiramos ou não ajudamos a sustentar, colaborar da melhor maneira possível para que eles não se constituam como esse retrato que a Ângela nos apresentou. É uma luta bem difícil, nossos adversários são cruéis, mas como você mesmo disse: Vamos ter esperanças e lutar. Se não, pra que viver?
Ângela...bela reflexão, grande abraço.

Anônimo disse...

Se possível acesse http://domingospai.blogspot.com/
acredito que vai gostar.