sexta-feira, 12 de julho de 2013

retirado de um folhetim



Ela entrou na fila com o vinho. Só que teve o cuidado de perguntar à vendedora se aquele era suave. Era tinto, mas era suave? A moça não soube explicar e perguntou ao empacotador, que respondeu que não, era seco. Ela voltou lá e pegou o vinho mais caro, e que tinha escrito em letras vermelhas: "suave". Entardecia, e ela também comprou preservativos, e aproveitou a última loja aberta do shopping para comprar lingerie: calcinha e sutiã vermelhos.
Chegando em casa, imediatamente colocou o vinho na geladeira. E o preservativo no criado-mudo.
E foi tomar o banho mais demorado e mais minucioso de sua vida. Cuidou de si com a maior das delicadezas, inscrevendo promessas no seu corpo em cada enxague do sabão.
E lembrou, claro, de Roberto Carlos e Djavan, enquanto se perfumava: perfumou-se do dedo do pé ao pescoço, quase se sufocou com tanto cheiro.
Ele estava pra chegar.
Ele ia chegar.
Ele chegou.
Porém, o vinho continuou fechado na geladeira, o preservativo no criado-mudo e a lingerie escondida sob sua roupa. E no dia seguinte a empregada, ao abrir a geladeira para pegar a manteiga, disse-lhe com realismo e tristeza:
- E a senhora comprou o vinho... E não abriu. Vai perder.
E ela, para se conformar, lembrou que Roberto Carlos também já perdeu muita coisa. E que Djavan está com mal de parkinson. Ela que sempre odiou a competição com as dores alheias, estava ali buscando uma salvação impossível.
E também como era masoquista! Foi à geladeira e abriu-a. E olhou o vinho fechado, recolocando-o no lugar. Mas não tirou a lingerie que ainda continuava vestida, e  não tocou no preservativo.
Ela sempre soube desse desfecho, era seu eterno retorno: insistência com o Destino.
História repetida, dolorosa e antiga. Vinho envelhecido, nunca tomado.


(Salvador, 23/02/2010)

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