domingo, 28 de outubro de 2007

Domingo, com Cecília

A casa está enorme, fechada, eu sozinha dentro dela. Vou buscar Cecília Meireles:

"Por mais que sacuda os cabelos,
por mais que sacuda os vestidos,
a poeira dos caminhos jaz em mim."

Este é "Poeira", um dos "Poemas escritos na Índia". Lá, onde ela também escreveu: "Quando é a noite,/ O vento não vem./ E o menino dorme tão bem!"

Fico por aqui, fecho o livro, enquanto vou abrir a janela do quarto e apagar a lâmpada. Faço isso, mas a luz que vem de lá de fora não consegue clarear sozinha, sem a ajuda da lâmpada, o quarto e eu dentro dele. Deixo as duas luzes, portanto, acesas. São cinco horas de uma tarde estúpida de domingo. Os domingos não deveriam existir, todos já sabem disso. Os domingos só servem para a gente morrer mais um pouco. E ficar com raiva ao saber que muitos estão adorando esse dia, ao som de um fundo aberto de carro, perto da praia...
Só dá para fazer uma coisa aos domingos: dormir. Mas como tudo tem limite (mãe me disse esse clichê a vida toda), o sono acabou. O que vou fazer agora? Por isso pego de novo o livro de Cecília - minha irmã de alma. E ela volta a dizer, na "canção do menino que dorme", que mesmo que "o vento não vem", "o menino dorme tão bem!"
É, Cecília, preciso fazer como esse menino. Na verdade não dormi bem o dia inteiro. Pois se não lembrei de nenhum sonho? Todos fugiram quando acordei. Dormir e não sonhar é algo inútil, nós duas sabemos. Você que teve tantos sonhos, até publicou um livro com esse nome!

"Em sonho vireis delicadamente
e sem motivo algum
direis palavras amáveis
que vos surpreenderiam
se vos fossem contadas."

(...)

"Jamais saberei o que sonháveis
enquanto eu sonhava com as vossas gentilezas.
Jamais sabereis que tais gentilezas foram sonhadas."

Oh, Cecília, sofremos das mesmas dores: essas que o amor deixa como ausências dentro de casa, feito teias de aranha cansadas e dias de domingo mal-dormidos.

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