A primeira vez que tive contato com uma pretensa suicida, faz muito tempo. Ela tinha doze anos e já namorava um rapaz de dezoito que levava nas costas a fama de ser o maconheiro da cidade. Esses são os primeiros dados. Os seguintes virão depois. Na casa em que ela morava com os pais e a irmã, havia uma varanda que dava para o quintal. No muro da varanda a mãe delas plantou uns crótons enormes, cada folha era do tamanho - quase - das duas meninas. Folhas verdes com riscos amarelos, um negócio sinistro, ameaçando o mundo. A mãe logo alertou, quando os crótons cresceram: "Cuidado, nem cheguem perto, esses crótons são veneno vivo!" A expressão "veneno vivo" funcionou, porque as duas nem se recostavam na varanda. E quando isso acontecia, tratavam logo de um bom banho para não restar no corpo nenhum resquício do tal veneno.
Agora voltemos aos primeiros dados: a menina tinha doze anos e namorava o dito maconheiro da cidade, como já mencionei. A mãe mostrou as garras: batia na menina, chamava o dito cujo de "cão do inferno" e de "esqueleto humano" (porque o homem era muito magro), fazia escândalos no meio da rua ao encontrar os dois juntos, e dentro de casa era surra, muita surra na coitada. Aquilo foi desgostando a menina. Mas desgostando mesmo. Tanto que ela planejou tudo. A varanda. Os crótons. Era sábado. A mãe iria para o rio lavar pratos. Depois iria para a rua visitar uma tal comadre. Era o dia certo. E, para facilitar, ainda tinha uma pedra no quintal ao lado dos crótons. Uma pedra acolhedora, boa de sentar para esperar a morte. O que ela fez? Comeu a maior folha que tinha, a mais verde, a mais viva, comeu toda, só deixando o talo. Depois sentou-se na pedra. E lá ficou esperando, com a barriga cheia, a tal da Indesejada, ou melhor, nesse caso, da Desejada. Esperou sentada a tarde inteira, inteira...
Ah, minha irmã, como foi boa essa mentira de mãe! Por causa dessa mentira - a despeito de você, até hoje, ainda sentir a língua formigar em razão do cróton comido - podemos comemorar, neste dia de domingo, mais um aniversário seu!
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6 comentários:
Ah, Aeronauta, vc e sua irmã são duas "peças raras"... rs
Gostei.
Pagu
Pelo visto em todos os blogs ocorre o mesmo fenômeno: os "amigos" propõem e conseguem do "autor" a auto-enganação. Cuidado! Literatura mesmo têm que conseguir leitores espontâneos e não bajulação pura e simples.
Tudo que é proibido é atraente
Que texto incrível!!!!!!!!!!! Quanto ao livro, posso deixar em algum lugar e você passa e pega. Que tal?
Beijos,
Renata
Hahahahah, vc e suas finalizações incríveis!
Adorei o texto! :)
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