
Na maioria das vezes na academia a literatura vira algo enlatado. Lembram-se do quitute? É, a literatura fica parecendo quitute: ainda gostoso, mas artificial. Bota-se quitute, ou seja, "literatura" dentro do pão e tudo indica que matou a fome. Quem não se lembra do quitute (ou não conhece) vale outra comida enlatada da contemporaneidade: dá no mesmo. É assim que sentimos a literatura, portanto, nas salas acadêmicas, principalmente em defesas de mestrado e doutorado. Aquilo que o escritor escreveu, e nós lemos em momentos epifânicos, se transforma num conglomerado de terminologias, adereços e outras coisas extremamente óbvias, porém ditas num palavreado técnico pomposo, corroborado pelas palavras de um autor-teórico-da-moda.
Por exemplo, ontem, em plena sessão de defesa de mestrado, a professora doutora lança mão de Umberto Eco para dizer que, em todo texto, é o leitor o complementador de sua significação. Ora, isso é algo extremamente óbvio. Todo leitor de verdade sabe disso. Além do mais os estudiosos da estética da recepção bateram tanto nesse ponto... O mais importante, porém, é que todo leitor de verdade sabe dessas coisas. É preciso, pois, correr atrás de um teórico para validar tamanha obviedade?
Nesses momentos acadêmicos é que percebo o quanto a literatura virou componente de hospital. Nesses ambientes tudo é esterilizado, a fala dos professores e a própria postura deles sentados à mesa, avaliando o trabalho proposto, é de gelo e solenidade, o contrário, portanto, das altas temperaturas do livro literário. Tudo vira jargão e não paixão. Coitada da literatura, perecendo num leito de uti, tendo como enfermeiros homens de jaleco branco e mãos frias.
Imagem: "O último cubo de gelo", por renatomoll.
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