quinta-feira, 25 de março de 2010

algaravia


meu estômago está uma brasa, mora. Parece que botaram aqui dentro um monte de tocha fervente, luzindo a meio quilômetro de distância. Eta caldeirão. Meus intestinos vão no mesmo ritmo, pipocando que nem carne frita na panela de ferro, exalando um odor de coisa apodrecendo. O maior exemplo de minha miséria mesmo foi o acontecido naquela viagem de ônibus. Eu que sempre nutri nojo por banheiro andante, móvel e socializado, naquele dia me vi sentada na privada fedorenta sem nenhum pudor, somente querendo me livrar daquilo, que vinha dentro de mim sem nenhum lirismo, num sadismo de aplaudir. É, porque o que está dentro de mim não é meu, é dos outros. Essa dor não é minha, é alheia. Essa fogueira no meu estômago é presente de teu olhar, de tua dor, dessa solidão de sermos um e para sempre desconectados. Ah, para que tanta filosofia com uma dor de barriga, com um estômago triste e murcho, se os banheiros coletivos estão aí para nos acolher? Sente sua bunda numa privada nojenta e veja o que é bom pra tosse. Vai ver o quanto ela é boa pra tosse, pois se sua dor for imensa a privada será uma bênção. Oh, bendita privada fedorenta que me mandaste! E eu que sempre fui tão refinada, e que nutro uma prisão de ventre pelo simples fato de não gostar de minha parte podre; eu que não frequento banheiro de ônibus e viajo dez horas sem lá pisar os pés, me vi naquele dia sentada num vaso semovente, agradecendo a Deus tamanha criação. Se rio de mim? Oh, garfadas estridentes de riso. Mesmo com o estômago ardendo. E com essa solidão apodrecendo: nos intestinos, por dentro; algaravia silenciosa dos infernos.


Imagem: "Galeria choque cultural", por artexplorer.
(www.flickr.com)

10 comentários:

Anônimo disse...

Você é porreta mesmo. Genial até pra falar de dor de barriga(jogue fora o papel higiênico quem nunca teve uma).

Carlos Barbosa disse...

Aérea Persona, de passagem por Salvador, torço para que seu estômago se alivie com frutas da estação e um bom omeprazol. De resto, saudades, muito cansaço de minha parte, e uma espera que parece aquela pelos coletivos da vida inteira, num ponto de ônibus sem cobertura, sendo brindado a cada dois minutos com um jato de lama vindo de pneus impacientes. Inté breve, s.D.q., (carlos barbosa)

- Luli Facciolla - disse...

Só quem já passou por isso é que sabe...

Beijos

Moniz Fiappo disse...

Que jeito voce tem com as palavras!
Até nessa hora ...
De todo modo, na hora do aperto mudamos os conceitos (nem que seja provisoriamente).

Terráqueo disse...

Inusitado e inteligente. Adorei.

Gerana Damulakis disse...

aero: esse seu talento é ilimitado, escreva sobre o que for, ele está presente.

Anônimo disse...

Genial! Estamos nessa...
Abraço.
Flamarion

Anônimo disse...

Que texto, minha amiga! Você é grande demais com as palavras.

lagarta disse...

ai, querida, eu que sou perita em banheiros de TIP (terminal integrado de Passageiros - de ônibus, aqui de Pernambuco, a sucursal do inferno), me solidarizo contigo!

Nilson disse...

Puta texto. Grande mesmo!!!