domingo, 28 de março de 2010
elegia
Passaram-se muito tempo dos dezoito. Dos vinte. Dos vinte e oito. Mas a neblina continua no para-brisa. O carro pifou na ladeira. A vista é linda: uma praia. A estrada é de pedra. Mas tudo parou, não foi só o automóvel. Meu corpo, numa magreza impossível, pesa litros e litros de nada, nada, nada. Esvaziei-me. Esquálida, fecho todas as portas. Não tem autoajuda que me salve. Nem literatura. Chegar aqui, nesse ponto do caminho, é extremamente clichê. Não tive filhos, marido tive um, e para quê? Estudei, guardei diplomas, trabalhei. Para quê? É muito besta fazer perguntas. Sabe-se que não haverá resposta. Nunca. Talvez na morte. Mas não quero morrer. Vivo como se fosse imortal, alheia à História e à mobilidade das coisas. E não sei viver, fico espantada como um girassol, olhando fixamente nada. Como é que se vive? Clarice vivia perguntando isso, enquanto Cecília cantava. Como é que se canta, Cecília? Minha voz, aos quarenta, desafina. E a casa, repleta de pássaros, se aquieta.
Imagem: "Elegía", por antolozaZD.
(www.flickr.com)
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8 comentários:
Que beleza, aero. Clarice perguntava e Cecília cantava.
Vc é incrível mesmo.
Aero, teu rosto tão bonito, tua risada tão gostosa... não combinam com teus escritos tão dolorosos (combinam na beleza).
"Tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu..."
Belos e tristes escritos. Tomo licença para também perguntar: como é que se vive?
Não fossem as perguntas o mundo não se movia. Para quê fizemos o que fizemos? Talvez porque viver seja experienciar e nossos espíritos têm gana de aprender.
Arrepare não, estou com sono.
Bj
beleza de texto! é para isso que se vive! admiro sua vida, invejo seu viver.
Do caralho os comentários. Aos 43 também desafino, e vim elogiar os seus trabalhos.
Grata acrescentar.
Uma admiradora.
Minha voz, aos 40, também desafina!
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