sexta-feira, 5 de março de 2010

Por que ando ausente


O mundo está me chamando interminantemente. Não, se pudesse não iria: ficaria aqui, passeando no ar, sentindo uma nuvem e outra deslizar nas minhas pernas, penetrar meus cabelos. Mas o mundo é imperativo: exige minha presença. Minha presença física: braços gesticulando, corpo em movimento, boca se abrindo. Não, não quero. Quero solidão. O mundo nunca irá entender isso: me bota no meio do redemoinho, gira meu corpo como se fosse máquina a ser triturada. E tritura: vejo meus ossos se partindo em dança sarcástica. Tira de mim o que mais amo: a palavra. A palavra silenciada. O ir e vir no abandono lírico. Desgovernar-me num amor sem causa. Abrir o livro e deparar-me com nada - delicadezas de inventar o que não existe. Ah, o mundo é o porteiro dos livros de Kafka. Impede minha entrada e ao mesmo tempo me obriga a entrar. Fico lá dentro, num cartório imenso, obrigada a dedilhar processos. Nunca aprendi a ser Bartleby, e me encarcero, sem nem poder escrever - como o amanuense Belmiro. Ausento-me de mim, dias sucessivos. Cecília me olha do alto de seu nicho: complacente, como todas as santas, entende o que digo.



Imagem: sem título, de Gustavo Minas.
(www.flickr.com)

13 comentários:

Anônimo disse...

Comentário estranho esse meu acima. Mas acho que você entendeu.
Bj

Anônimo disse...

Pois sinto muita falta da tua solidão.

Bípede Falante disse...

Porque você anda ausente, a gente sente saudades dos seus posts. Se bem que a gente também sente quando você não está ausente. Tou que nem o Chorik, fazendo comentário estranho, mas acho que você também entendeu.

Nilson disse...

Tb tem batido algo assim por esses dias. Será algum planeta em trânsito enviezado revirando a cabeça da gente???

Isa Correia disse...

Aero, cada vez mais me encanto com o que escreve. Entrei aqui no seu hoje porque também ando assim, ausente de mim. Ler você me dá forças porque descubro que não sou a única a sentir que o "mundo está ao contrário e ninguém reparou". Se todas as mulheres cultivassem o saudável hábito de escrever, talvez existissem menos casos de depressão e dependentes emocionais na face da Terra...
Todas nós nascemos com alma sem fundo e necessitamos da solidão para melhor compreendê-la. Abraços.

Gerana Damulakis disse...

Mas quando escreve sempre nos fascina.
Estaremos aguardando.

Edu O. disse...

e esta porta aberta a dizer: venha!

Anônimo disse...

Tu és que és, minha amiga!
Beijos de Maria

Bernardo Guimarães disse...

o bom é que, o que quer que vc sinta, traduz-se numa escrita belíssima a nos aproximar de sua solidão.

Moniz Fiappo disse...

Curioso como tem gente passando por fase parecida!
Quanto a mim, sua ausencia é sentida, pois venho frequentemente beber beleza aqui nos seus textos.

Moniz Fiappo disse...

Curioso como tem gente passando por fase parecida!
Entendo sua ausência porém seus belos textos fazem falta. Já fazem parte do hábito de beber beleza por aqui

Terráqueo disse...

Que bom que quando você sai do silêncio é para escrever um texto com tanta qualidade. Esse sentimento que o mundo absorve e tritura é algo que sinto todos os dias. Cada vez com mais velocidade. Não tenho tempo para silenciar.

Anônimo disse...

Não vá e ponto final.
Solidão? Não!
Fique com a gente.