domingo, 17 de outubro de 2010
histórias de família
Em Romances Familiares, Freud traz algo que me comove muito. É a passagem, ressaltada por ele, em que desejamos substituir os nossos pais por outros "de melhor linhagem". O que me vem à mente agora é a substituição de mãe, que eu fantasiava. Queria que minha mãe fosse uma mulher vaidosa, com sobrancelhas feitas, batom na boca, usando sapatos de salto alto e brincos enormes na orelha. Diferentemente de tudo que mãe era: usava vestidos feitos por sua própria mão grossa, cheia de calos; as sobrancelhas trazia-as desalinhadas; nenhum batom na boca, carregando nos pés sandálias baixas e na orelha brincos inexpressivos. Era exatamente o inverso daquilo que eu queria ostentar como minha mãe. Principalmente nas reuniões de pais e mestres, em que as mães de minhas colegas, com aquele perfil sonhado por mim, apareciam na escola. Devo confessar que tinha enorme vergonha dela. Ora, por que, eu me perguntava, aqueles vestidos retos, florais, fora de moda? Aquelas sobrancelhas grossas e despenteadas? Aquelas sandálias sem graça, mostrando suas unhas mal pintadas? Tinha inveja de minhas colegas, desfilando pelos corredores da escola com suas mães aristocráticas e lindas.
Freud diz que ao fazermos isso não estamos descartando nossos pais, mas enaltendo-os, pois no fundo atribuímos a esses novos pais, substitutos, qualidades que têm origem nos nossos pais verdadeiros. As qualidades são aquelas de amor e tranquilidade da infância, que se perdem na fase crítica de distanciamento. Fase em que se descobre a distância do amor tranquilo. Portanto, se nos meus quatro pra cinco anos mãe para mim era uma mulher linda, rusticamente linda, nos anos que se seguiram virou um algoz de sobrancelhas horrorosas, que me batia muito; porém, na minha cabeça tudo talvez se justificasse se ao me bater ela estivesse usando um vestido de festa, de cetim, de organdi, com as sobrancelhas refinadas.
Imagem: www.google.com.br
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5 comentários:
Aero, se há uma coisa que ainda tenho dificuldades de lidar é a culpa que sinto por ter sido e ser um filho que não soube avaliar a dimensão do sacrifício que fizeram por amor a mim. Choro copiosamente ao ler sua postagem, porque sei que eles me perdoaram e eu nunca os mereci.
Nem sei o que dizer, texto pungente.
Tenho um amigo, um racionalista radical, que nos último tempos comenta repetidamente a leitura de Romances Familiares. Pela forma como baixa os olhos, algo constrangido,com um sorriso envergonhado de quem é pego frequentando um meio que sempre criticou, percebo que o livro iluminou de alguma forma a relação dele com os pais.
E como essa relação é complexa na nossa vida! Envolvendo recuos, projeções, culpas, exorcismos, tudo no cumprimento do ciclo abandonarás-pai-e-mãe para só mais tarde, talvez, os reencontrarmos, com alguma isenção que nos possibilite estabilizar a imagem deles, reconhecendo o que de fato representaram em nossas vidas. Algo similar à transição da paixão para o amor, também se passa na relação que temos com os nosso pais. Será?
Nossa, como faço comentários longos aqui! Rs.
Abraço.
Se um não fosse o bastante para atordoar e magoar um filho, além da mãe doente de vaidosa, tive também um pai que era puro ego. Dois narcisos brigando por uma estrela sem luz. Quem me dera ter a sua mãe, mãe de beleza genuína.
Beijo.
Esse também me bateu na boca do estômago, como disse Chorik. E se meus pais não fossem pessoas tão simples, tão do interior, comerciante com o nível primário, professora primária? Mas quer saber? Se fosse assim, seríamos outros. Melhores ou piores,quem há de saber? E onde estariam nossos poemas? Como seriam?
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