sábado, 19 de fevereiro de 2011

elefante de circo


Sou uma pessoa nervosa, muito nervosa. Por isso saio sempre uma hora de casa antes de algum compromisso. Vai que acontece algo e eu chegue atrasada. Não gosto de chegar atrasada, nunca gosto, pois o meu nervoso aumenta. Pois bem, eis o início do que vou contar. Saí meia hora antes, e não uma hora, como de costume. Estava indo para o cinema. O filme começaria às dezoito. Fui andando, e ao olhar no relógio comecei a me agoniar: percebi que andando chegaria em cima da hora, e tenho horror a chegar em cima da hora no cinema. Fico suada, nervosa só em pensar em entrar na sala de projeção em completo escuro. Ao notar que estava atrasada, apressei o passo. Ia pelos arredores do campo grande, e o filme passaria na sala da Ufba, no vale do canela. Quando já pensava em pegar um táxi, sinto algo folgado no meu pé. Olho imediatamente. E vejo. A sandália com a tira soltando. Ando mais um pouco e acontece o inevitável: tira levantada do lugar, para sempre, sandália quebrada. Equação que resultou no seguinte: pé esquerdo com sandália e pé direito sem sandália. Não dava nem pra ir arrastando até o táxi, que estava a uns três metros. Tive mesmo que abraçar minha humildade e ir andando pé calçado outro não, pé calçado outro não. Aí a pessoa que me acompanhava disse: tire o outro pé, ou seja, a outra sandália. Não!, gritei nervosíssima, assim é menos vergonhoso. Lá vai eu desse jeito até o táxi. Todo mundo que passava olhava. Carros quase paravam para me ver melhor. Cheguei ao táxi, e o taxista não viu minha situação. Entrei no carro e disse: hiper do canela. Claro, para comprar outra sandália. E, pelo jeito, havaiana. Ao perceber que faltavam vinte minutos para as dezoito, hora do filme, me desesperei. Pedi ao motorista que acelerasse: coorre, corre, corre! Ele deu uma volta dos diabos, procurando não-engarrafamento. Acabou passando em frente à Ufba, no vale do canela. Faltavam agora dez minutos para as dezoito. Eu, desesperada, ao passar em frente ao meu destino e não poder parar, pedi mais carreira ao motorista. Foi no meio desse desespero que gritei implorando pra ele parar em qualquer sapataria que visse, e não no hiper como tinha combinado, pois olhe, minha sandália quebrou e eu preciso chegar rápido no cinema!!! Aí ele disse que pela urgência pensava que era caso de hospital. É urgente, moço! Foi aí que ele me deixou na porta do hiper, indicando uma loja de sapatos anexa. Acabei comprando uma sandália horrorosa por setenta reais. A essa altura nem olhava mais no relógio, só xingava a lerdeza da moça que tinha ido lá em cima buscar um pé com meu número. Ela chegando, botei a sandália quebrada na caixa e a nova no pé. Horrorosa, a nova: cor verde cana cheguei. Saí estraçalhada, correndo pela rua a fim de pegar o filme ainda no começo. Desci as escadas da reitoria bufando, demorei uns vinte minutos para atravessar aquele sinal da rua lá embaixo e aí finalmente entrei no cinema. O filme havia começado. Suava, em estado de morte, e trôpega tive que enfrentar a sala de projeção escura. Ao encontrar uma cadeira e sentar, mais parecia um elefante de circo completamente esmagado.

8 comentários:

M. disse...

Você é a maior cronista.Ri tanto, tanto. Bjs.

Marcus disse...

Acabei de assistir ao curta-metragem "Verde Cana".

Marcus disse...

Você me fez lembrar também de uma expressão deliciosa da minha infância: "pessoa sistemática".

Bernardo Guimarães disse...

por que não voou? oxente!...

Anônimo disse...

Eu achei esse texto uma delícia!!! ri muito, e muito mesmo. Não lembro bem de sua pessoa, embora já a tenha conhecido, é certo, e mesmo sem lembrar, lembrando, lembro de ti séria, sem humor, meio esquisita. O texto agora deixou uma outra nuance de ti - que desconheço :).

M. disse...

Gostei do comentário do anônimo aí. Pois é, quem não te conhece que te compre. "Você é trezentos e cinquenta", como disse o poeta modernista. E eu gosto de todas as facetas. Bjs.

LÍVIA NATÁLIA disse...

Uma crônica muito boa, um personagem cronicamente inviável!

Nilson disse...

Ufa! Senti cada passo da sua agonia. Qual seria a trilha sonora do curta? Mas imagine o meu caso: só saio de casa em cima da hora!!