quinta-feira, 24 de março de 2011

sem mágoa ou medo


Todo desespero do homem é para voltar à infância. Ele bebe para isso, para romper com as rédeas, as repressões psíquicas e dizer o que tem vontade, como só a criança que ele foi um dia disse. O desespero é que não há volta, nunca haverá. A gênese de nossa infância - a poesia - se perdeu e só em raros momentos a reencontramos, para depois perdê-la de novo e para sempre. Sou uma criança velha, com rugas na cara e bolsas sob os olhos; patética, sou uma criança patética, quero dizer ao mundo que nada presta, mas meus olhos se encantam com o beija-flor no parapeito da janela. Será bom augúrio?, pergunta meu coração completamente desamparado. Tenho terrível pena de meu coração, que terá um dia de enfrentar sozinho a morte. Tenho terrível pena de meu coração. Sou tão medrosa, sei que enfrentarei a morte com muita tremedeira nas pernas. Como passarei pelo túnel escuro? Com as pernas oscilando, certamente, mendigando a Deus a Sua presença. Ah quando chegar a hora... Quando chegar a hora, que meus parentes mortos, que meus poetas mortos venham me ajudar a atravessar o túnel. Que os cantos gregorianos encham meus ouvidos de beatitude. Que eu possa nesse momento, nem que seja por instantes, voltar à infância: e simples, sem qualquer mágoa ou medo, como só uma criança pode ser, que eu consiga finalmente dizer o que penso, o que verdadeiramente penso.

4 comentários:

Bernardo Guimarães disse...

que texto emocionante! quando chegar a hora, o deus da poesia, da infancia, das crianças velhas estará a seu lado. não tenha medo, não há tuneis!

Maria Judith. disse...

Nào sei quantas pessoas já lhe disseram que vc é genial, mesmo, mas ainda que ninguém tivesse dito, acredite, você é.

Judith disse...

Nào sei quantas pessoas já lhe disseram que vc é genial, mesmo, mas ainda que ninguém tivesse dito, acredite, você é.

Nilson disse...

Criança velha: acho q isso me define tb. Ao invés de sociedade dos poetas mortos, que tal a das crianças velhas???