
Desde a primeira vez em que escrevi um verso, na sala de aula (aos doze anos), ganhei o epíteto de poetisa. Fui poeta municipal por anos a fio, e mesmo saindo de minha cidade continuo poeta municipal. Fui para Feira de Santana, e lá a poetisa ganhou ares universitários, fez até oficina de criação literária - o que lhe amargou um ano sem pegar na pena. Como se ensina a escrever poesia? Nas oficinas há alguns macetes, dicas boas, mas também há o perigo e a salvação de a autoestima ou baixar de vez ou cair na real. Pra mim foram as duas coisas: caí na real, não era essa poetisa toda que diziam na minha terra; ao mesmo tempo meu superego foi cruel: me jogou no poço mais fundo, que é lá onde deve ficar quem escreve literatice. Consegui, depois de muitos anos, ir subindo esse poço, mas ainda não cheguei na metade, vejo que falta muito para o cume dele, e nunca chegarei lá. Ainda bem que não chegarei. Meu superego é guarda que não cochila, e nesse caso somos amigos. É bom que ele não cochile, é bom. Não quero me transformar nesses seres que andam por aí com roupa de poeta, pasta de poeta, palavra de poeta. E mesmo porque a poesia só nos busca quando ela quer: tem mais de nove meses que não escrevo um verso; então, cadê a poetisa? A poesia dormita, a poesia é temperamental, a poesia escolhe o seu momento de aparecer. Nós, que vez ou outra escrevemos poesia, apenas somos seus míseros inquilinos. Um dia, quem sabe, depois de anos sem dar as caras, ela chega e comete o ato justo de nos colocar para fora de sua casa.