terça-feira, 4 de outubro de 2011

exercícios de ausência


Para Naiana, que, com seu comentário no post anterior, me fez pensar nessas coisas

Pareço mesmo não fazer parte do mundo. Um pluft de desaparecimento meu e tudo continuará como dantes. A casa em que moro será entregue ao dono, e os meus pertences doados aos parentes - que não saberão o que fazer com tanta inutilidade. Li em algum lugar que a gente sofre pelo passado, não pelo futuro. Eu sofro sim pelo futuro. Nele vislumbro minha morte. Quem mora na filosofia e na arte tem sempre sua morte vislumbrada: não há como escapar desse fascínio, desse ímã, dessa fatalidade. Por isso a gente pisa nos dias com muita dor; saber-se mortal é saber-se menor, insignificante, perecível, sem muita validade. Em contrapartida, o que fazer de uma vida eterna? A sensação estável de uma vida infinita talvez nos cause somente uma vontade imensa de dormir. Enfim, não há solução, tudo é estranhamento e dessa estranheza saímos ou deprimidos - com alguns momentos de beatitude - ou imbecis, não sentindo conscientemente qualquer estranheza. Por que insisto nesse assunto? Acredito que todo esse diário resume-se a isso: minha quase completa ausência do mundo, mesmo ainda estando nele. O lugar onde mais me sinto ausente do mundo é numa reunião. Nela geralmente apenas apareço enquanto vulto, em total neblina, mortificada como se esperasse o momento exato de cair na chama inquisitorial da fogueira. É nesse momento que percebo não existir, de fato: ali onde estou sentada há uma lacuna, uma cadeira vazia, antecipando minha ausência que um dia será, claro, definitiva.


Imagem: www.google.com.br

11 comentários:

Lidi disse...

Aero, eu que tenho comentando tanto nos últimos posts - e peço perdão por isso - agora, fiquei sem palavras. Assim como você e a Naiana, também me sinto fora do mundo, muitas vezes. Bjs

P.S: Adorei a imagem da cadeira vazia, diálogo perfeito.

aeronauta disse...

Lidi,
Você pede perdão por comentar meus posts? Posso te perdoar, talvez, por ter pedido perdão. Adoro seus comentários! Bjos.

Anônimo disse...

Você jamais esteve e estará ausente, Aero. É só sua essa impressão de não ser notada. Vai por mim.

Bj

aeronauta disse...

Oi, Chorik, sou notada, sim, mas como uma ausente. Bjos

Lidi disse...

É que estava escrevendo demais, Aero. ;) Bjs

Paulo André disse...

Cara Ângela. Esta certeza me deixa em pânico há anos. Sinto-me fotografado em tuas palavras. Abraços.

aeronauta disse...

Lidi: não está escrevendo demais não.
Paulo André: fui lá no seu blog retribuir a visita, fiz um comentário mas não consegui publicá-lo: não estou conseguindo publicar como aeronauta, só como anônimo, e lá não tem essa opção. Mas salvei o comentário feito sobre seu poema, e segue abaixo:

"Que coisa bela! Como você escreve bem!
Venho aqui agradecer a sua visita e tenho a felicidade de entrar numa belíssima casa: lírica, onde a poesia reina triunfante.
Grande abraço, e parabéns, Paulo André!"

Naiana P. de Freitas disse...

Risos, Professora[não sei se te chamar assim seja o certo, mas tenho uma adoração por essa palavra], não sei o que dizer, mas dizendo, saber que o inútil existe mais do que a verdade nos dá essa lacuna. Ás vezes acho que deveria acreditar na verdade porque teria a certeza de tudo e não aquela certeza da " minha quase completa ausência do mundo, mesmo ainda estando nele." Sem a verdade, "...não há solução, tudo é estranhamento e dessa estranheza saímos ou deprimidos - com alguns momentos de beatitude - ou imbecis, não sentindo conscientemente qualquer estranheza." Acho que é o resultado de tentar saber muito.Mas, essa tenativa é contráditoria porque é nela nos agarramos para ter esses "momentos de beatitude". abraços apertados!

Denise disse...

Ângela, a estranheza talvez seja o nosso modo mais original de ser... eu tbém participo disto.abs

M. disse...

Mulher Alada, se eu não fizer parte do mesmo mundo que você, quero pelo menos, vez ou outra, visitá-la. Minha amiga.

Muadiê Maria disse...

gostaria de ter escrito este texto.