domingo, 2 de outubro de 2011

manifesto diante da travessia


Digo aqui que sou uma pessoa triste; e, acreditem, não é para pedir que se compadeçam disso, muito menos para me vitimizar. É apenas simples confidência. E para dizer que o que me salva nesse mundo é a arte, nada mais. Nem o amor me salva. Nele há sempre uma ânsia, uma ânsia sem sucesso, sem saciedade, uma agonia, sempre uma falta de ar. Só a arte, a poesia, a literatura, a música, o cinema me acalmam: são, portanto, os motivos de eu não morrer antes da hora, e de suportar a vida. Nem falo do magistério, pois se ele também me salva é por conta da arte. Eu não me salvaria de jeito nenhum se fosse ministrar aulas de língua portuguesa, ou linguística, ou latim. Muito pelo contrário, eu sucumbiria. É verdade, tudo que não é arte - literatura, música, poesia, cinema - me aborrece, me dá raiva, me dá tédio, me dá embotamento dos sentidos. Suportar a falta de poesia nas pessoas, suportar a mediocridade, é algo que me aniquila. E nessa confissão não há pedantismo, há desolação. Há sim pessoas sem o menor vestígio de a poesia chegar perto. Há pessoas condenadas a aridez e à estúpida arrogância, e nisso não há salvação, doutrinação, meiguice, tolerância, generosidade. Há pessoas sem chance. Quando constato isso, murcho, envelheço, fico mais triste do que realmente sou. E choro um choro revoltado, cheio de uma náusea vagabunda, e me pergunto o porquê de tudo. É terrível, e a arte só sobrevive por conta das sociedades, infelizmente com poucos sócios. Esses sempre mal vistos, sempre mal ouvidos, sempre marginalizados e estigmatizados. Isso é antigo demais, clichê, provando o quanto o ser humano nasceu predestinado à imbecilidade, que se repete como doença hereditária numa epidemia idiota. Eles são muitos, são tantos. Não sou melhor que eles, estamos no mesmo barco, no rio Aqueronte. Faremos a travessia, mas dá raiva vê-los, pois, ainda que em tais condições, continuam presos ao lattes, ao salto, à retórica, à falta de educação: não notam que, a despeito do mau humor de Caronte, nessa travessia difícil, lemos poesia? Calem a boca, malditos.

7 comentários:

Lidi disse...

"Digo aqui que sou uma pessoa triste; e, acreditem, não é para pedir que se compadecem disso, muito menos para me vitimizar. É apenas simples confidência."

Ow, Aero, eu também sou assim. E me sinto mal por ser assim. Não me aceito muito como sou. E não gosto de falar para as pessoas dessa minha tristeza, porque muitas não entenderiam. Tenho medo, exatamente, do que você acaba de escrever, de pensarem que sou uma pessoa vitimada e que gosto disso, de me fazer de doente para ser visitada. E não é nada disso. É que, às vezes, tenho o impulso de escrever como um desabafo, mas logo me arrependo de ter escrito, de ter falado das minhas dores, que são apenas minhas. Tenho medo do peso do julgamento de olhos estranhos. No entanto, ao te ler, me identifiquei de imediato. E sei que você me entenderia. Você e outros poucos amigos, "que falam a mesma língua". Que sorte tenho eu em te ter como amiga. E ainda bem que ainda nos resta a arte nessa travessia. Quanto aos que "continuam presos ao lattes, ao salto, à retórica, à falta de educação", é ser indiferente. Camus nos ensina que "não há destino que não se supere pelo desprezo". É difícil, mas é uma saída. Adoro você, amiga alada, e te admiro demais. Bjs

aeronauta disse...

Obrigada, Lidi, e que bom que somos amigas! Também te adoro e te admiro muito. Bjos.

Blog do Akira disse...

Aeronauta,
Estive aqui e estou deixando um beijo e um abraço. Saiba que voce é muito importante para mim.
Akira.

aeronauta disse...

Obrigada, Akira, quanta gentileza e generosidade. Um grande abraço.

Naiana P. de Freitas disse...

só vivo me manisfestando, muitas vezes sozinha só para não provocar a afirmação: você está desiludida menina!è por isso que a escrita para mim une, a arte acalma e ensinar traz um gosto bom de solidariedade com os outros e com vc mesmo. A tristeza ai não é o simples sentimento é a certeza de que você sabe a origem de todos os porquês que vc faz e que ninguém nunca pensou neles..e todos atravessam o rio da vida curtindo um carnaval e o mundo gira e você parece não estar nele.Se pudesse selecionar selecionaria a confidência toda, e por diferença ainda ouso acreditar no amor humano, na concepção mais pura das filosofias.:D.Desculpa, comment mto grande! abraços apertados,

aeronauta disse...

Oi, Naiana, parafraseando você, o mundo gira e parece que não estou nele. É essa a minha forte impressão. Grande abraço.

Anônimo disse...

Verdade, Aero,

Suportar a mediocridade tem sido quase que obrigatório, se quisermos viver e conviver. Agora, amiga, a falta de poesia, de sensibilidade... Isso me incomoda de tal maneira que fica realmente difícil disfarçar a indignação.
Ai, como dói ser poeta! Mesmo em mim que nunca escrevi uma linha que se possa chamar de poesia. Rs

Abraços,

Anônimo I