segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

família à antiga (numa continuação ao post anterior)


Uma das coisas de que precisa alguém que escreve é ser corajoso. Isso eu li ontem, numa entrevista com o escritor Sérgio Sant'Anna. Ora, se você tem medo de escrever o que pensa, então é melhor não escrever. O que você pensa não quer dizer que é o certo (afinal, o que é o certo?). Somos sempre nosso próprio equívoco, pois que estamos vivos, na errância de um mundo e de nós mesmos, que não conhecemos. Há pessoas, claro, que nasceram nas décadas de 1970 e 1980, são filhos de pais separados e não são exclusivamente egoístas. Isso é óbvio. O egoísmo é algo inerente ao homem, em qualquer década, sob quaisquer condições. Entretanto, conheço vários nascidos nessas décadas mencionadas que até se assumem egoístas com bastante gosto, como a melhor coisa do mundo. Meninos mimados demais, pois que o mimo (na cabeça dos pais) foi a compensação que encontraram para o esfacelamento familiar. Não sou contra a separação, tanto que também me separei. A única diferença é que não tive filhos. Se tivesse, seria mais um egoistazinho no mundo, pois que provavelmente o mimaria pelas perdas que teria numa infância com os pais separados. Tudo isso é determinismo? Que seja. O homem vive num condicionamento tal, que dificilmente conseguirá se livrar da repetição. A própria sociedade determinará tal condicionamento, e nós, seres patéticos, viveremos sem nem saber que somos e estamos condicionados.
Outra coisa que é óbvia: claro que uma criança sofre com a separação dos pais, vendo e ouvindo brigas, assistindo à difícil e complexa relação entre duas pessoas que ela ama. Sofri muito com as brigas entre meus pais, brigas feias, ressentimentos que batiam no peito e doíam como pedras pontiagudas. Mas diante de tudo isso o que eu mais tinha medo era que eles se separassem. Rezava todos os dias para que isso não acontecesse. Tenho certeza de que se eles tivessem se separado, hoje teria sequelas terríveis. É o que sinto, é a minha particularidade. Não quer dizer que todos sentiriam a mesma coisa diante de tal situação. E que também não é egoísmo de minha parte esperar que meus pais não se separassem. É egoísmo. Mas quem bota filho no mundo precisa ser magnânimo com ele, com a sua vida. E meus pais, nesse quesito, foram bastante magnânimos. Pensaram em mim e em minha irmã e aguentaram firme, deram adeus à chance aparentemente fácil de um divórcio, ficaram juntos, mesmo infelizes. Ora, há felicidade no mundo? Não. Mas amor acredito que há.
Se era amor o que meus pais sentiam um pelo outro não sei. Mas tenho certeza de que era amor o que ambos sentiam por mim e por minha irmã. Isso é notório. Como esquecer, portanto, mesmo sob os conflitos entre os dois, nossos passeios de fusca no domingo? Nossas visitas aos avós? Como esquecer os resmungos dos dois, sob a ternura de um acolhimento às filhas, a construção de uma ilusão familiar? Hoje devo tudo a essa ilusão. O fato de saber que meus pais estavam dormindo no quarto ao lado, perto de mim, me deram a segurança, a proteção perante um mundo que me metia muito medo. Isso não só porque pai tinha um revólver guardado em cima do guarda-roupa (a fim de simbolicamente "guardar" a família), mas porque eu tinha minhas duas referências de amor e cuidado perto de mim. Todas essas coisas me garantiram uma sólida memória afetiva, construindo-me humana; e essa humanidade se estende ao que há de mais insuportável no mundo: tentar conviver com pessoas que só pensam, exclusivamente, em si.


Imagem retirada do google.

5 comentários:

M disse...

O ser humano é mesmo incrível. O que é problema para um, às vezes é solução para outro. Enquanto você rezava para que nossos pais não se separassem, eu rezava para acontecer o contrário, pois preferia mil vezes vê-los separados, que ficar ouvindo todos os dias aquelas brigas chatas, por tudo e por nada.O que não tenho paciência, é ver filhos de pais separados querendo ser vítima o tempo todo e culpando os pais por todas as suas fraquezas.Claro que o filho sofre muito mais com a separação dos pais, mas querer crucificá-los para sempre, por terem coragem de sair de um casamento infeliz e tentar ter uma vida melhor, aí sim, que não entra na minha cabeça.Gostei muito dos dois textos.Bjos. Mã

Elionai disse...

Eu vi minha mãe sofrer com a separação, vi meu pai ir embora, deixá-la após o nascimento do único filho homem, tão desejado. Embora doloroso, o processo foi benéfico, na minha opinião.

Eu também vi minha mãe arregaçar as mangas, cuidar de quatro filhos, principalmente, de si. Meu pai continuou ser meu pai; presente nas decisões, carinhoso e silencioso.
Mas minha mãe tornou-se uma GIGANTE,eu adorei isto, como a primeira, vi a força de uma mulher brotar das cinzas, com 10 anos tive tanto orgulho dela. Já minha irmã viu seu mundo ruir aos 8 anos. Para os menores, de um ano e oito meses, esse capítulo é história, em que a narração se diferencia a partir de que conta.

Filhos egoísta.....criação de uma era.

Sandra disse...

Lindo escrito Ângela, sobretudo pela sua imensa coragem. A sua singeleza guarda isso: a coragem. Fiquei, por alguns dias, orgulhosa de você. Acho que o dividir de tantas sensações, através de seus escritos me fizeram mais íntima do que verdadeiramente sou...rs. Para mim, independente da decisão de se separarem ou continuarem juntos(mesmo infelizes), quaisquer que sejam o casal, jamais devem deixar que se perca essa "ilusão de família" que você citou, a imagem, a ideia, a certeza de que "pais" não se divorciam, homem e mulher sim. Um abraço...bem forte!!!

aeronauta disse...

Oi, Sandra, fantástica essa sua afirmação: "pais não se divorciam, homem e mulher sim". Maravilhoso isso. Grande abraço. Gosto demais de seus comentários: são tão ricos, de uma profunda compreensão do ser.

Lidi disse...

Foi muito bonito mesmo o que Sandra escreveu: "pais não se divorciam, homem e mulher sim". Concordo com ela, também, em relação a tua coragem, Aero. Belo escrito. Bjs