sexta-feira, 9 de novembro de 2012

"alegria, alegria"



Nasci amanhã, em plena ditadura militar, acontecimento que não chegou ao conhecimento de mãe, e que pai sabia por ouvir o rádio dizer. Nasci na madrugada, e cheguei com os pés na frente, e não com a cabeça. Nasci no completo perigo, e foi mãe Isaura, parteira do povoado, quem puxou minhas pernas e eu fui saindo de lá de dentro de mãe, abrindo o berreiro para o mundo. Mãe conta que no alto-falante, naquela hora da madrugada, dava para ouvir a música "índia seus cabelos nos ombros caídos, lá, rá, lá, rá, lá". Na hora das dores, pai estava no bar jogando sinuca e bebendo. E chegou bem na horinha em que eu nasci. Mais tarde ele soltou foguete para comemorar minha vinda, e no chega-chega de tanta gente em casa, providenciaram o "xarope de mulher parida", que todo mundo bebeu e lambeu os beiços. Nasci sem qualquer cabelo, contrariando a música que tocava no alto-falante. Com a carona achatada, uns fiozinhos loiros no cocuruto que fizeram com que meu avô me chamasse de "gaza", nome horroroso, e que ele melhorou para "gazinha". Não há nenhuma novidade no meu nascimento, nenhuma. Quando nasci apenas o Brasil ruía com a ditadura militar e Caetano cantava "alegria, alegria".

6 comentários:

Anônimo disse...

Aero,

"Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, num sol de quase dezembro"... Foi assim então que nasceu essa poetisa formidável, inspirada e ímpar no manuseio das palavras sempre belas e comoventes.
"Alegria, alegria" pra você, amiga, sempre e em todos os seus nascimentos.

Abraços,
Anônimo I

aeronauta disse...

Obrigada, Anônimo I, por sua passagem sempre carinhosa por aqui. Gosto demais de sua amizade. Abraços.

Tania regina Contreiras disse...

Um nascimento num momento marcante, inesquecível.

Beijos,

aeronauta disse...

É verdade, Tânia, momento da dureza da ditadura militar e a beleza do nascimento da Tropicália. Bjos

Sandra disse...

Parabéns querida Ângela!
Alguém especial como você, só poderia ter nascido em momento igualmente especial. Um momento de luta, força, beleza e muita arte. A você artista das palavras e dos sentimentos, toda a felicidade da aprendizagem diária, da sabedoria de experimentar a vida a cada momento e muita saúde para dar a nós, os presntes tão lindos que sua literatura produz. Um grande abraço!

aeronauta disse...

Obrigada, Sandra, por sua amizade, sempre tão forte, tão acolhedora, vinda sempre também com palavras belas! Grande abraço!